Poemas sobre Corpo de Casimiro de Brito

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Quem Falou em Crime?

Crime quem falou em crime
somos todos irmĂŁos todos a mesma
carne incendiada

Quando houver um crime
o primeiro
todos seremos criminosos

Agora porém somos vivos e amamos
do nascimento Ă  morte

Crime se o há já nos corria nas veias
quando Ă©ramos obscuros como o ventre
que nos concebeu

Não há veias que transbordem
neste corpo flexĂ­vel
que nos eterniza

Da ViolĂŞncia

A violĂŞncia que trazemos no sangue
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —

Noite por Ti Despida

Adulta Ă© a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos
coloridos. Amei
o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparĂŞncia, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. ĂŤntimo rumor do mundo.

Tal a Vida

Em declive trepamos pela nuvem
dos dias — em declive circundamos
obscuros cristais
transportados no sangue— e somos e
levantamos
as cores primitivas da fonte a luz
que resvala corpo a corpo
a semente sazonada de quem roubou
o fogo — em declive canto
a ternura diluĂ­da a luz reflectida
neste muro onde vejo
a secreção da fala onde ouço
um caminho de metáforas: tal
a vida —

Estar no Mundo

Ao corpo colados a silenciosas
colunas de sal pavimentados eis os muros
paralelos eis as rápidas deformações da
linguagem (cálido ascetismo)
de quem arde por dentro — estar no mundo
Ă© teu caminho estar na cĂłlera
lavrada
e sobre si mesma dobrada e a guerra
mastigar a morte seca a subalimentada
explosão do corpo deformações suicídio
quotidiano — tal a poesia
se reflecte na luz a erosĂŁo do poema
o apodrece e movimenta— cinza mineral
entre restos de música e pão —

Do Poema

O problema nĂŁo Ă©
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tĂŁo-pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e Ă  morte, ao sol, ao vĂ­cio,
aos corpos nus dos amantes —

o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais sĂł
do que as palavras
acompanhadas
no poema.

Da MĂşsica

A musica derrama-se
no corpo terroso
da palavra. Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.

A mĂşsica traz na bagagem
a memĂłria do sangue; o caminho
do sol: Lume e cume
de palavras polidas.

A mĂşsica rompe um rio de lava
por si mesmo criado. Lágrima
endurecida
onde cabem o mar
e a morte.