Poemas sobre Descanso

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Poemas de descanso escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Coordenadas

Conheço
os começos

— o chegar as chuvas
as migrações, o mugir
de parelhas atreladas
aos varais da madrugada.

Conheço onde começa
o medo o estupor o soco!
Onde o homem no ar
parado, rodopia

— e tomba

quando assoma
o zinabre ao gesto
e a lâmina se limpa
de espessa fĂşria.

Também conheço
antiga promessa
de urtiga Ă s costas,
premissa de colheita
proposta pelos caules.

E mais conheço
onde a terra exaure
o corpo que nela deita,

onde o Ă­ntimo de nosso
ser em pó começa a ser
sopro de ossos.

Mas desconheço
o remanso das tréguas
o descanso dos remos
o ponto de equilĂ­brio

onde estou

São Plácidas Todas as Horas que Nós Perdemos

Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nĂłs perdemos,
Se no perdĂŞ-las,
Qual numa jarra,
NĂłs pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
NĂŁo a viver,

Mas decorrĂŞ-la,
Tranquilos, plácidos,
Lendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…

Ă€ beira-rio,
Ă€ beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
NĂŁo nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

NĂŁo vale a pena
Fazer um gesto.
NĂŁo se resiste
Ao deus atroz
Que os prĂłprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mĂŁos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

GirassĂłis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
TranqĂĽilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.

Alma Humana, Formada de Coisa Nenhuma

Anjo:

Alma humana, formada
de nenhĂĽa cousa, feita
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa;
planta neste vale posta
pera dar celestes flores
olorosas,
e pera serdes tresposta
em a alta costa
onde se criam primores
mais que rosas;

planta sois e caminheira,
que ainda que estais, vos is
donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
Ă© ser herdeira
da glĂłria que conseguis:
andai prestes.
Alma bem-aventurada,
dos anjos tanto querida,
nĂŁo durmais;
um ponto nĂŁo esteis parada,
que a jornada
muito em breve Ă© fenecida,
se atentais.

(…)

Adianta-se o Anjo, e vem o Diabo a ela [Alma], e diz o Diabo:

TĂŁo depressa, Ăł delicada,
alva pomba, pera onde is?
Quem vos engana,
e vos leva tĂŁo cansada
por estrada,
que somente nĂŁo sentis
se sois humana?
NĂŁo cureis de vos matar,
que ainda estais em idade
de crecer.
Tempo há i pera folgar
e caminhar…
Vivei Ă  vossa vontade,

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NĂŁo Sei para que Vos Quero

NĂŁo sei para que vos quero,
pois me de olhos nĂŁo servis,
olhos a que eu tanto quis!

VOLTAS

Pera que me fostes dados,
vĂłs sĂł a chorar vos destes;
e, se eu tenho cuidados,
meus olhos, vĂłs mos fizestes.
Desque neles me pusestes,
do descanso me fugis,
olhos a que eu tanto quis!

Quando vĂłs primeiro vistes,
que nĂŁo me era bom sabĂ­eis,
mas, por gozar do que vĂ­eis,
em meu dano consentistes.
O que entĂŁo me encobristes
agora mo descobris,
olhos a que eu tanto quis!

Meus olhos, por muitas vias
usais comigo cruezas;
tomais as minhas tristezas
pera vossas alegrias.
Entram noites, entram dias,
olhos, nunca me dormis,
olhos a que eu tanto quis!

Ando-vos a vĂłs buscando
cousas que vos dĂŞem prazer,
e vĂłs, quanto podeis ver,
tristezas me andais tornando.
Agora vou-vos cantando,
vĂłs a mim chorando me is,
olhos a que eu tanto quis!

O Coração que Vos Vê

O coração que vos vê
aos olhos que vos nĂŁo vĂŞem
nĂŁo nos culpem, que nĂŁo tĂŞm
alguma razĂŁo porquĂŞ.

Cada hora este olhos canso
por estes montes arriba
que Ă  vista curta e cativa
tolhem todo seu descanso.
Deixem-nos cegar, que tĂŞm
olhando razĂŁo porquĂŞ:
o coração que lá é
os tristes choram d’aquém.

A PrisĂŁo do Orgulho

Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia apĂłs dia, levanto, sem descanso,
este muro Ă  minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro
Ă© o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.

Tradução de Manuel Simões

O Noivado do Sepulcro

Vai alta a lua! na mansĂŁo da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
SĂł tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!… mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D’entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!… na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmĂłrea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!… com sombrio espanto
Olhou em roda… não achou ninguém…
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

“Mulher formosa, que adorei na vida,
“E que na tumba não cessei d’amar,
“Por que atraiçoas, desleal, mentida,
“O amor eterno que te ouvi jurar?

“Amor! engano que na campa finda,
“Que a morte despe da ilusão falaz:
“Quem d’entre os vivos se lembrara ainda
“Do pobre morto que na terra jaz?

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Xácara das Mulheres Amadas

Quem muitas mulheres tiver,
em vez de uma amada esposa,
mais se afirma e se repousa
pera amar sua mulher;
Quem isto não entender…
em cousas d’amor não ousa,
em cousas d’amor não quer!

Quantas mais, mais se descansa,
mais a gente serve a todas;
quantas mais forem as bodas,
quantos mais os pares da dança,
menos a dança nos cansa
O gosto d’andar nas rodas.

Que quantas mais, mais detido
a cada uma per si;
nem cansa tanto o que vi,
nem fica o gosto partido;
ao contrário, é acrescido
a cada uma per si!

No paladar de mudar
mais se sente o gosto agudo:
que amar nada ou amar tudo
Ă© estar pronto a muito amar;
o enjoo vem de nĂŁo estar
a par do nada e do tudo.

Mais facilmente se chega
pera muitas que pera uma;
e a razĂŁo Ă© porque, em suma,
se esta razĂŁo me nĂŁo cega,
quem quer que muitas adrega
é como tendo…nenhuma!

Com muitas, descanso vem,

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Cada Coisa a seu Tempo Tem seu Tempo

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
NĂŁo florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
TĂŞm branco frio os campos.

Ă€ noite, que entra, nĂŁo pertence, LĂ­dia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

Ă€ lareira, cansados nĂŁo da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
NĂŁo puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscĂŞncia
(NĂŁo para mais nos serve
A negra ida do Sol) —

Pouco a pouco o passado recordemos
E as histĂłrias contadas no passado
Agora duas vezes
HistĂłrias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciĂŞncia nĂłs colhĂ­amos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.

E assim, LĂ­dia, Ă  lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compĂşnhamos

Nesse desassossego que o descanso
Nos traz Ă s vidas quando sĂł pensamos
Naquilo que já fomos,

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O que Poderá Ver quem já da Vista Cegou?

Ante Sintra, a mui prezada,
e serra de Ribatejo
que Arrábeda é chamada,
perto donde o rio Tejo
se mete n’água salgada,
houve um pastor e pastora,
que com tanto amor se amaram
como males lhe causaram
este bem, que nunca fora,
pois foi o que nĂŁo cuidarom.

A ela chamavam Maria
e ao pastor Crisfal,
ao qual, de dia em dia,
o bem se tornou em mal,
que ele tĂŁo mal merecia.
Sendo de pouca idade,
nĂŁo se ver tanto sentiam
que o dia que nĂŁo se viam,
se via na saudade
o que ambos se queriam.

Algumas horas falavam,
andando o gado pascendo;
e entĂŁo se apascentavam
os olhos, que, em se vendo,
mais famintos lhe ficavam.
E com quanto era Maria
pequena e, tinha cuidado
de guardar melhor o gado
o que lhe Crisfal dizia;
mas, em fim, foi mal guardado;

Que, depois de assim viver
nesta vida e neste amor,
depois de alcançado ter
maior bem pera mor dor,
em fim se houve de saber
por Joana,

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O CĂ©u e o Ninho

És ao mesmo tempo o céu e o ninho.

Meu belo amigo, aqui no ninho,
o teu amor prende a alma
com mil cores,
cores e mĂşsicas.

Chega a manhĂŁ,
trazendo na mĂŁo a cesta de oiro,
com a grinalda da formosura,
para coroar a terra em silĂŞncio!

Chega a noite pelas veredas nĂŁo andadas
dos prados solitários,
já abandonados pelos rebanhos!
Traz, na sua bilha de oiro,
a fresca bebida da paz,
recolhida
no mar ocidental do descanso.

Mas onde o céu infinito se abre,
para que a alma possa voar,
reina a branca claridade imaculada.
Ali não há dia nem noite,
nem forma, nem cor,
nem sequer nunca, nunca,
uma palavra!

Tradução de Manuel Simões

Sonho

Perdoa, Amor, se nĂŁo quero
Aceitar novo grilhĂŁo;
Quando quebraste o primeiro,
Quebraste-me o coração.

Olha, Amor, tem dĂł de mim!
Repara nos teus estragos,
E desvia por piedade
Teus sedutores afagos!

Tu de dia nĂŁo me assustas;
Os meus sentidos atentos
Opõem aos teus artifícios
Mil pesares, mil tormentos.

Mas, cruel, porque me assaltas,
De mil sonhos rodeado?
Porque acometes no sono
Meu coração descuidado?…

Eu, quando acaso adormeço,
Adormeço de cansada,
E o crepĂşsculo do dia
Me acorda sobressaltada.

Arguo entĂŁo a minha alma,
Repreendo a natureza
De ter cedido ao descanso
Tempo que devo Ă  tristeza.

Que te importa um ser tão triste?…
Cobre de jasmins e rosas
Outras amantes felizes!
Deixa gemer as saudosas!

PrincĂ­pio

NĂŁo tenho deuses. Vivo
Desamparado.
Sonhei deuses outrora,
Mas acordei.
Agora
Os acĂşleos sĂŁo versos,
E tacteiam apenas
A ilusĂŁo de um suporte.
Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma,
Também me não diz nada.
A paz possĂ­vel Ă© nĂŁo ter nenhuma.

Amor

NĂŁo vĂŞs como eu sigo
Teus passos, nĂŁo vĂŞs?
O cĂŁo do mendigo
NĂŁo Ă© mais amigo
Do dono talvez!

Ao pé de uma fonte
No fundo de um vale,
No alto de um monte
Do vasto horizonte,
Sem ti estou mal!

Sem ti, olho e canso
De olhar, e que vi?
Os olhos que lanço,
Acharem descanso,
SĂł acham em ti!

Os ventos que empolam
A face do mar,
E as ondas que rolam
Na praia, consolam
Tamanho pesar?

As formas estranhas
De nuvens que vĂŁo
Roçando as montanhas
Em ondas tamanhas
Distraem-me? NĂŁo!

A pomba que abraça
No ar o seu par,
E a nuvem que passa,
Não tem essa graça
Que tens a andar!

Parece o pezinho,
De lindo que Ă©,
Ligeiro e levinho
O de um passarinho
Voando de pé!

O rosto, há em torno
Da pálida oval,
Daquele contorno
TĂŁo puro, o adorno
Da auréola imortal!

NĂŁo sei que luz vaga,

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Baladas Românticas – Negra…

Possas chorar, arrependida,
Vendo a saudade que aqui vai!
VĂŞ que inda, negro, da ferida
Aos borbotões o sangue cai…
Que a nossa histĂłria, assim relida,
O nosso amor, lembrado assim,
Possam fazer-te, comovida,
Inda uma vez pensar em mim!

Minh’alma pobre e desvalida,
Ă“rfĂŁ de mĂŁe, ĂłrfĂŁ de pai,
Na escuridĂŁo vaga perdida,
De queda em queda e de ai em ai!
E ando a buscar-te. E a minha lida
NĂŁo tem descanso, nĂŁo tem fim:
Quanto mais longe andas fugida,
Mais te vejo eu perto de mim!

Louco! e que lĂşgubre a descida
Para a loucura que me atrai!
– Terríveis páginas da vida,
Escuras páginas, – cantai!
Vim, ermitĂŁo, da minha ermida,
Morto, do meu sepulcro vim,
Erguer a lápida caída
Sobre a esperança que houve em mim!

Revivo a mágoa já vivida
E as velhas lágrimas… a fim
De que chorando, arrependida,
Possas lembrar-te inda de mim!

Pedra Filosofal

Eles nĂŁo sabem que o sonho
Ă© uma constante da vida
tĂŁo concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles nĂŁo sabem que o sonho
Ă© vinho, Ă© espuma, Ă© fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles nĂŁo sabem que o sonho
Ă© tela, Ă© cor, Ă© pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que Ă© retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisĂŁo,
desembarque em foguetĂŁo
na superfĂ­cie lunar.

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Mais Valera…

Baldadas, as tuas orações fervorosas,
vãs, as tuas vigílias sem cansaço,
inúteis, as tuas rugas que foram lágrimas, Mãe!
E são brancos os teus cabelos por ser negra a minha vida…

Todos os amparos pedidos para os meus passos,
todas as claridades imploradas para os meus caminhos,
todas as fontes solicitadas para as minhas sedes,
todos os vergéis requeridos para as minhas fomes,
todas as pedras com musgo seco rogadas para o meu descanso,
— tudo foi trocado para a felicidade doutra Mãe
que nĂŁo orou, talvez, fervorosamente,
nem vigiou noites e noites um berço, como estrela,
nem, Mãe, chorou as lágrimas que deixaram no teu rosto essa tristeza.

Para mim veio este destino errante de poeta…
Comigo, a incerteza e frouxidĂŁo contĂ­nua de passos,
a escuridão em todos os caminhos inevitáveis,
a sede para que só há fontes secas,
a fome que nenhum fruto satisfaz,
as pedras ásperas onde o corpo não pode estender-se…

MĂŁe, porque nĂŁo me levaram os ciganos?

Porque Há Desejo em Mim

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo Ă  minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde nĂŁo havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Regresso ao Lar

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…

Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…

PĂ´s-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…

Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como à noite o mar…

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Sentimento do Tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, trĂŞs ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar; me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer porque deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer porque o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais nĂŁo souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
E um coração ardente em coisa fria.
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde sĂł existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se nĂŁo houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.

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