Pára, Funesto Destino
Pára, funesto destino,
Respeita a minha constância;
Pouco vences, se não vences
De minha alma a tolerância.Se eu sobrevivo aos estragos
Dos males que me fizeste,
Inutil é combater-me,
Nem me vences, nem venceste.Com secos olhos diviso
Esse horror que se apresenta:
Os meus existem de glória;
Morrendo a glória os alenta.
Poemas sobre Destino
139 resultadosPortugal
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
Aproveitar o Tempo
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha…
O trabalho honesto e superior…
O trabalho à Virgílio, à Mílton…
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos – nem mais nem menos –
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)…
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos –
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.Verbalismo…
Sim, verbalismo…
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça…
Não ter um acto indefinido nem factício…
Não ter um movimento desconforme com propósitos…
Boas maneiras da alma…
Elegância de persistir…Aproveitar o tempo!
As Palavras Interditas
Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
Nas Praças
Nas praças vindouras — talvez as mesmas que as nossas —
Que elixires serão apregoados?
Com rótulos diferentes, os mesmos do Egito dos Faraós;
Com outros processos de os fazer comprar, os que já são nossos.E as metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte,
As filosofias solitárias de tanta trapeira de falhado,
As idéias casuais de tanto casual, as intuições de tanto ninguém —
Um dia talvez, em fluido abstrato, e substância implausível,
Formem um Deus, e ocupem o mundo.
Mas a mim, hoje, a mim
Não há sossego de pensar nas propriedades das coisas,
Nos destinos que não desvendo,
Na minha própria metafisica, que tenho porque penso e sinto.Não há sossego,
E os grandes montes ao sol têm-no tão nitidamente!Têm-no? Os montes ao sol não têm coisa nenhuma do espírito.
Não seriam montes, não estariam ao sol, se o tivessem.O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir,
Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo.E por que é que há propósitos mortos e sonhos sem razão?
Poema da Hora Escoada
Minhas mãos
– duas chamas débeis de vela
unidas no mesmo destino.Minhas mãos
derretidas em cera
que vai escorrendo,
gota a gota,
ao longo do corpo hirto
da vela moribunda.
Que vai escorrendo,
lenta,
na calmaria falsa e densa
da luz delida e mortuária do meu quarto.E o livro de Anatomia,
grave e inútil,
aberto em frente.E todo o mundo,
que me espera
e desespera,
nas páginas inúteis e graves
do livro de Anatomia.E as horas
morrendo, morrendo,
como uma vela que se vai derretendo
no quarto frio de um morto.Ai! minhas mãos, minhas mãos
– duas chamas débeis de vela
unidas no mesmo destino!– Que horas serão?
A vida
é uma vela de corpo hirto
que se vai derretendo, derretendo,
na calmaria falsa e densa
de um quarto de morto.
O Descalabro
O descalabro a ócio e estrelas…
Nada mais…
Farto…
Arre…
Todo o mistério do mundo entrou para a minha vida econômica.
Basta!…
O que eu queria ser, e nunca serei, estraga-me as ruas.
Mas então isto não acaba?
É destino?
Sim, é o meu destino
Distribuído pelos meus conseguimentos no lixo
E os meus propósitos à beira da estrada —
Os meus conseguimentos rasgados por crianças,
Os meus propósitos mijados por mendigos,
E toda a minha alma uma toalha suja que escorregou para o chão.…………………………………………………………………………………………..
O horror do som do relógio à noite na sala de jantar dê uma casa de
província —
Toda a monotonia e a fatalidade do tempo…
O horror súbito do enterro que passa
E tira a máscara a todas as esperanças.
Ali…
Ali vai a conclusão.
Ali, fechado e selado,
Ali, debaixo do chumbo lacrado e com cal na cara
Vai, que pena como nós,
Vai o que sentiu como nós,
Vai o nós!
Ali, sob um pano cru acro é horroroso como uma abóbada de cárcere
Ali,
Dizem que em cada Coisa uma Coisa Oculta Mora
Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Que mora nela.Mas eu, com consciência e sensações e pensamento,
Serei como uma coisa?
Que há a mais ou a menos em mim?
Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo –
Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só isso.
Que coisa a mais ou a menos é que eu sou?O vento sopra sem saber.
A planta vive sem saber.
Eu também vivo sem saber, mas sei que vivo.
Mas saberei que vivo, ou só saberei que o sei?
Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando,
Sinto, penso, movo-me por uma força exterior a mim.
Então quem sou eu?Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?
Ou a minha alma é a consciência que a força universal
Tem do meu corpo por dentro, ser diferente dos outros?
No meio de tudo onde estou eu?Morto o meu corpo,
Desfeito o meu cérebro,
Em coisa abstracta,
Erra, Fio mortal da Alma, o Destino
Erra, fio mortal da alma, o destino.
Porém, trémulo, o não temo.
Seco será o poder do nada, o silêncio
dos deuses ou o rosto corrompido
dos homens. Estas folhas ásperas
e pálidas entardecem e conhecem-me.
O ar que queima, sem arder, a pedra
da manhã ou o inigualado luto
da noite, é solene, é suave,
inexorável princípio de tudo
quanto existirá. É ido o sonho
do fogo, a exacta vida, sucumbe
o corpo no vazio enigma da cólera
divina. Dura, sem medida, a excessiva,
a ébria, a avara solidão, neste ar
perene que, no odor da terra se
oculta. Só minha absurda aparência
a Ave dilacera.
Não é desgraça ser pobre
Não é desgraça ser pobre,
não é desgraça ser louca:
desgraça é trazer o fado
no coração e na boca.Nesta vida desvairada,
ser feliz é coisa pouca.
Se as loucas não sentem nada,
não é desgraça ser louca.Ao nascer trouxe uma estrela;
nela o destino traçado.
Não foi desgraça trazé-la:
desgraça é trazer o fado.Desgraça é andar a gente
de tanto cantar, já rouca,
e o fado, teimosamente,
no coração e na boca.
Da Nossa Semelhança com os Deuses
Da nossa semelhança com os deuses
Por nosso bem tiremos
Julgarmo-nos deidades exiladas
E possuindo a Vida
Por uma autoridade primitiva
E coeva de Jove.Altivamente donos de nós-mesmos,
Usemos a existência
Como a vila que os deuses nos concedem
Para, esquecer o estio.
Não de outra forma mais apoquentada
Nos vale o esforço usarmos
A existência indecisa e afluente
Fatal do rio escuro.Como acima dos deuses o Destino
É calmo e inexorável,
Acima de nós-mesmos construamos
Um fado voluntário
Que quando nos oprima nós sejamos
Esse que nos oprime,
E quando entremos pela noite dentro
Por nosso pé entremos
Encostei-me
Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y’s de sentimento.Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos —
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão,
Portugal
O teu destino é nunca haver chegada
O teu destino é outra índia e outro mar
E a nova nau lusíada apontada
A um país que só há no verbo achar
Seus Olhos
Seus olhos – que eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda a alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Surdina
No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio…
Pálida, Vênus se levanta…
Que frio!Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece…
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!Ninguém… A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece…
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto…
Que frio!Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro… E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.E com que mágoa o sino canta,
Balada do Poema que não Há
Quero escrever um poema
Um poema não sei de quê
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Às de copas às de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadasQuero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nadaUm poema não sei de quê
Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dói não sei porquêQuero um poema ao contrário
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitário
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheçoQue venha de capa e espada
Ou de chicote na mão
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais nãoQuero um poema que diga
Que nada há que dizer
Senão que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que não é de adormecerPoema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou não ser eis a sorte
O resto é silêncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de ElsenorQuero o poema que me dê
Aquela música antiga
Da Provença e da Toscânia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de Aquitânia
Dormindo sobre um cavaloE com ele então dizer
O meu poema está feito
Não sei de quê nem sobre quêDormindo sobre um cavalo
Quero o poema perfeito
Que ninguém há-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidão
Ou aquela toutinegra
De Camões quando escrevia
Sôbolos rios que vãoQue venha como um destino
Às de copas às de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser será
E não há cartas marcadas
Só assim poderá ser
O poema que não há
Seus Olhos
Seus olhos – se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Que Feliz Destino o Meu
MOTE
«Que feliz destino o meu
Desde a hora em que te vi;
Julgo até que estou no céu
Quando estou ao pé de ti.»GLOSAS
Se Deus te deu, com certeza,
Tanta luz, tanta pureza,
P’rò meu destino ser teu,
Deu-me tudo quanto eu queria
E nem tanto eu merecia…
Que feliz destino o meu!Às vezes até suponho
Que vejo através dum sonho
Um mundo onde não vivi.
Porque não vivi outrora
A vida que vivo agora
Desde a hora em que te vi.Sofro enquanto não te veja
Ao meu lado na igreja,
Envolta num lindo véu.
Ver então que te pertenço,
Oh! Meu Deus, quando assim penso,
Julgo até que ‘stou no céu.É no teu olhar tão puro
Que vou lendo o meu futuro,
Pois o passado esqueci;
E fico recompensado
Da perda desse passado
Quando estou ao pé de ti.
Súbdito Ausente e Nulo do Universal Destino
Olho os campos, Neera,
Campos, campos, e sofro
Já o frio da sombra
Em que não terei olhos.
A caveira ante-sinto
Que serei não sentindo,
Ou só quanto o que ignoro
Meu incógnito ministre.
E menos ao instante
Choro, que a mim futuro,
Súbdito ausente e nulo
Do universal destino.
Requiem por Mim
Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.