É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro…
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!…Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso…É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!…
Poemas sobre Dia de António Salvado
4 resultadosA Eterna Ausência
Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais…Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza…Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!…
Memória
I
Na cristalina, líquida presença,
crescente lua no abismo enquanto
o mar se cala, desconheço a margem
onde me espera no desejo
esguio do poente a deusa branca…À ínfima visão dum lírio encosto
o meu soluço! O espaço é grande…
Não invoco o lugar mas a verdade
surge aquém da espera…Gaivotas sussurrantes, deixo a música
morrer, pegadas frescas, desperdícios
quentes na relva da minha alma…II
Quando se oculta julgando a noite
indefesa enorme, a fugidia
estrela me ilumina e desce!Vem até mim, quebrada a natural
cadência do seu mundo, e cresce… cresce…
Tentáculos de luz me envolvem. Comovido,
aperto em minhas mãos o elanguescente
ardor do seu chegar…III
Reconquisto agora o teu rosto, um horizonte,
silêncio de grito suspenso, labirinto,
mais desfeito
no hálito das nuvens…Me surges tão sem ti
que envolve o dia a espessura deste longe…
E afogo assim na íntima, na única
beleza do teu rasto,
o meu soluço de água…
Os Amantes
Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.Encheram de novo a taça; incha mais a panda vela.
E para serem iguais, apenas lhes falta a Morte!