Lugares da Infância
Lugares da infância onde
sem palavras e sem memória
alguém, talvez eu, brincou
já lá não estão nem lá estou.Onde? Diante
de que mistério
em que, como num espelho hesitante,
o meu rosto, outro rosto, se reflecte?Venderam a casa, as flores
do jardim, se lhes toco, põem-se hirtas
e geladas, e sob os meus passos
desfazem-se imateriais as rosas e as recordações.O quarto eu não o via
porque era ele os meus olhos;
e eu não o sabia
e essa era a sabedoria.Agora sei estas coisas
de um modo que não me pertence,
como se as tivesse roubado.A casa já não cresce
à volta da sala,
puseram a mesa para quatro
e o coração só para três.Falta alguém, não sei quem,
foi cortar o cabelo e só voltou
oito dias depois,
já o jantar tinha arrefecido.E fico de novo sozinho,
na cama vazia, no quarto vazio.
Lá fora é de noite, ladram os cães;
e eu cubro a cabeça com os lençóis.
Poemas sobre Dia de Manuel António Pina
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Completas
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.