Vivo na Esperança de um Gesto
Vivo na esperança de um gesto
Que hás-de fazer.
Gesto, claro, Ă© maneira de dizer,
Pois o que importa Ă© o resto
Que esse gesto tem de ter.
Tem que ter sinceridade
Sem parecer premeditado;
E tem que ser convincente,
Mas de maneira diferente
Do discurso preparado.
Sem me alargar, nĂŁo resisto
À tentação de dizer
Que o gesto nĂŁo Ă© sĂł isto…
Quando tu, em confusĂŁo,
Sabendo que estou Ă espera,
Me mostras que sĂł hesitas
Por não saber começar,
Que tentações de falar!
Porque enfim, como adivinhas,
Esse gesto eu sei qual Ă©,
Mas se o disser, já nĂŁo Ă©…
Poemas sobre Discursos
9 resultadosAmo-te Sempre
Amo-te sempre
com um pouco de barco e de vento
com uma humildade de mar Ă tua volta
dentro do meu corpo; com o desespero
de ser tempo;com um pouco de sol e uma fonte
adormecida na ternura.Merecer este minuto de palavras habitando
o que há sem fim no teu retrato;
Este mesmo minuto em que chegam e partem navios
– nesta mesma cidade deste
minuto, desta lĂngua, deste
romance diário dos teus olhos –(e chegarĂŁo com armas? refugiados? trigo?
partirão com noivas? missionários? guerras? discursos?)Merecer a densa beleza do teu corpo
que tem água e ternura, células, penumbra,
que dormiu no berço, dormiu na memória,
que teve soluços, febre, e absurdos desejos
maiores que os braços,merecer os dias subindo das florestas – e vĂŞm
banhar-se, lentos, nos teus olhos…Merecer a Igreja, o ajoelhar das palavras,
entre estes cinemas visitando, em duas horas, a alma,
estes eléctricos parando atrás do infinito
para subirem os namorados, a viĂşva, o cobrador da luz, a
costureira
entre estes homens que ganham dinheiro,
As Palavras de Amor
Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.Deixemos que o silĂŞncio dĂŞ sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia
Dizer amar na lĂngua da semente?
O Amor
I
Eu nunca naveguei, pieguĂssimo argonauta
Dans les fleuves du tendre, onde há naufrágios bons,
Conduzindo Florian na tolda a tocar frauta,
E cupidinhos d’oiro a tasquinhar bombons.
Nunca ninguém me viu de capa à trovador,
Às horas em que está já Menelau deitado,
A tanger o arrabil sob os balcões em flor
Dos castelos feudais de papelĂŁo doirado.
NĂŁo canto de Anfitrite as vaporosas fraldas,
(Eu nĂŁo quero com isto, Ăł VĂ©nus, descompor-te)
Nem costumo almoçar c’roado de grinaldas,
Nem nunca pastoreei enfim, vestido Ă corte,
De bordão de cristal e punhos de Alençon,
Borreguinhos de neve a tosar esmeraldas
Num lameiro qualquer de qualquer Trianon.
Eu não bebo ambrósia em taças cristalinas,
Bebo um vinho qualquer do Douro ou de Bucelas,
Nem vou interrogar as folhas das boninas,
Para saber o amor, o tal amor das Elas.
NĂŁo visto da poesia a tĂşnica inconsĂştil,
Pela simples razĂŁo, sob o pretexto fĂştil
De ter visto passar na rua uns pés bonitos;
Nem do meu coração eu fiz um paliteiro,
Onde venha o amor cravar os seus palitos.
Inominado Nome
Persigo-o no ininteligĂvel arbĂtrio
dos astros, na clandestina linfa
que percorre os tĂşrgidos corredores
do indecifrável, nos falsos indĂcios
que, de fogos fátuos, escurecema persistente incógnita do nome.
Em persegui-lo persisto onde, bem
sei, não lograrei achá-lo, que nunca
achado será em tempo ou espaço
que excedam meu limite e dimensĂŁo.Um nome, ainda obscuro, pressinto
no sal da boca amarga, Conheço-lhe
o rosto familiar, desfocado embora,
no halo do tempo e da distância.
É, creio, a face indefectĂvel de tudoquanto tenho de calar. Este nome
(este rosto) habita-me silente, contra
a recusa, a mentira, ou a calĂşnia.
Na epiderme, nos nervos e na carne,
sobre a lĂngua e o palato, adivinho-lheforma, sabor e propĂłsito. Ouço-o
dentro de mim, mau grado
o queira ou nĂŁo, que em mim
só está sofrê-lo porque em mim
vive e dura, enquanto eu dure e viva.E nĂŁo por meu mal, que meu
mal seria, mais que perdĂŞ-lo,
sem ele viver.
Um rosto persigo,
um nome guardo no sal da bocaamarga,
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mĂŁo macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jĂłias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinĂłis lembram o cĂ©u…Dizem as lendas que SatĂŁ vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmĂłreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vĂŞm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…
Posse II
Ele —
Seduzir o cotidiano pelo corpo.
Penetrá-lo deste brilho longo,
compacto,
onde o cansaço não é tédio
mas Ăşmido intervalo.A paisagem nĂŁo sustenta
mais os olhos; estrelas
despojaram-se dos monĂłlogos,
a flor voltou a si, nĂŁo mais
dizer exausto, a primavera guardou
sua intimidade no discurso
das árvores, e o amor,
esgarçado de imagens,
procurou outro equilĂbrio
além da frase, de um silêncio
a outro.Nem sempre a paz levou-nos
a suas tácitas paragens:
a liberdade aspirou um ser estranho,
em que de novo nos olhássemos.No corpo prosseguimos
onde o amor parava.
E inventamos. Sem palavras
tornamos nossa a carne da manhĂŁ,
a exaurir o tempo, sem fidelidade
alguma, no dia imprevisĂvel,
além do nosso invento.
Ornitologia
Chegado o Outono, o conhecimento concentra-se nas asas
dos pássaros que pousam lentos sobre as cores dos frutos.
Sem sentimentos, as aves entregam-se ao sabor do vento
e deixam que no cérebro cresça a febre negra das urzes.
Aquieta-os a experiência que conservam do espaço
e que todas as tardes os inibe de partir para continentes
mais prósperos e seguros. Sustém-os um atavismo
apenas explicável pelo saber dos signos e o seu desejo
colectivo de suicĂdio. Porque nĂŁo escolhem antes
perder-se na tempestade? Talvez visto do ar,
aos seus olhos o mundo se torne mais pesado
e o pensamento se confunda, na memĂłria,
com uma paisagem festiva de piras fĂşnebres.
E contudo, apesar do carácter cerrado da atmosfera,
o seu peso parece ter-se já deixado de sentir
sobre o discurso. Virados para dentro,
as imagens em que se reflectem sĂŁo
as de um mundo banhado pela penĂşmbra.
Afogado na sua razĂŁo de ser. MediĂşnico.
Imagine-se agora o caçador a entrar
paisagem dentro para abater as peças
de que se compõe o cenário uma a uma:
vista de dentro,
lamento para a lĂngua portuguesa
nĂŁo Ă©s mais do que as outras, mas Ă©s nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra lĂngua possa
pĂ´r-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas Ă© o teu paĂs que te destroça,
o teu prĂłprio paĂs quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nĂłs fugindo:
ruiu a casa que Ă©s do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que sĂł ruĂnas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como Ă© realidade
a relação da lĂngua com a morte,
o nĂł que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.