fingir que está tudo bem
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
Poemas sobre Dizer
134 resultadosGaivota
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.Que perfeito coração
morreria no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
Confesso
Confesso que te amei, confesso
Não coro de o dizer, não coro
Pareço outra mulher, pareço
Mas lá chorar por ti, não choroFugir do amor tem seu preço
E a noite em claro atravesso
Longe do meu travesseiro
Começo a ver que não esqueço
Mas lá perdão não te peço
Sem que me peças primeiroDe rastos a teus pés
Perdida te adorei
Até que me encontrei
Perdida
Agora já não és
Na vida o meu senhor
Mas foste o meu amor
Na vidaNão penses mais em mim, não penses
Não estou nem p’ra te ouvir por carta
Convences as mulheres, convences
Estou farta de o saber, estou fartaNão escrevas mais nem me incenses
Quero que tu me diferences
Dessas que a vida te deu
A mim já não me pertences
Mas lá vencer-me não vences
Porque vencida estou euDe rastos a teus pés
Perdida te adorei
Até que me encontrei
Perdida
Agora já não és
Na vida o meu senhor
Mas foste o meu amor
Na vida.
Livro de Horas
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.Me confesso
Possesso
De virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal Céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Novas da Corte
As damas nunca parecem
os galantes poucos são
cousas de prazer esquecem
os negócios vêm e vão
nunca minguam, sempre crescem.
Não há já nenhum folgar
nem manhas exercitar
é tanto o requerimento
que ninguém não traz o tento
senão em querer medrar.Mil pessoas achareis
menos das que cá leixastes
doutras vos espantareis
porque vê-las não cuidastes
da maneira que vereis.
Uns acabam outros vem
e uns tem outros não tem
e os mais polo geral
folgam muito d’ouvir mal
e pouco de dizer bem.Se cá sois bem ensinado
cada feira valeis menos
e se mal sois estranhado
dous dias e logo vemos
ficardes mais estimado.
E vai isto de maneira
que na capela cadeira
d’espaldas tem escudeiros
e consentem-lh’os porteiros
estarem na dianteira.Anda tudo tão danado
que o que menos merece
se mostra mais agravado
e d’homens que não conhece
é el rei emportunado.
E estes que Deos padeça
hão de cobrir a cabeça
perant’ele no serão
e só por isso lá vão
sem haver quem os conheça.
Letra para um hino
É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
Ser Real quer Dizer não Estar Dentro de Mim
Seja o que for que esteja no centro do Mundo,
Deu-me o mundo exterior por exemplo de Realidade,
E quando digo «isto é real», mesmo de um sentimento,
Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior,
Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim.Ser real quer dizer não estar dentro de mim.
Da minha pessoa de dentro não tenho noção de realidade.
Sei que o Mundo existe, mas não sei se existo.
Estou mais certo da existência da minha casa branca
Do que da existência interior do dono da casa branca.
Creio mais no meu corpo do que na minha alma,
Porque o meu Corpo apresenta-se no meio da realidade.
Podendo ser visto por outros,
Podendo tocar em outros,
Podendo sentar-se e estar de pé,Mas a minha alma só pode ser definida por termos de fora.
Exista para mim — nos momentos em que julgo que efectivamente existe —
Por um empréstimo da realidade exterior do Mundo.Se a alma é mais real
Que o mundo exterior, como tu, filósofo, dizes,
Para que é que o mundo exterior me foi dado como tipo da realidade?
A Espantosa Realidade das Cousas
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Ode aos Natais Esquecidos
Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memória
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis.
Tinha comigo os cães e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidão dos quartos,
os cadernos invadidos pêlos saberes inúteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava já dentro do sono,
no território dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingível a clamar pela nossa paciência,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma árvore sem nome.Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusões também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,
Do Tempo ao Coração
E volto a murmurar Do cântico de amor
gerado na Suméria às novas europutas
Do muito que me dás ao muito que não dou
mas que sempre conservo entre as coisas mais purasDe uma genebra a mais num bar de Amsterdão
a não perder o pé numa praia da Grécia
De tantas tantas mãos que nos passam pelas mãos
a tão poucas que são as que nunca se esquecemDe ter visto o começo e o fim da Via Ápia
De ter atravessado o muro de Berlim
De outros muros que não aparecem no mapa
De outros muros que só aparecem aquiao barro deste céu que te modela os ombros
ao sopro deste céu que te solta o cabelo
ao riso deste céu que vem ao nosso encontro
quando sabe que nós não precisamos deleDa pertinaz presença E da longevidade
do corvo do chacal do louco do eunuco
ao rouxinol que morre em plena madrugada
à rosa que adormece em caules de um minutoDo que foi noutro tempo a saúde no campo
à lepra que nos rói a paisagem bucólica
Do tempo ao coração minado pelo cancro
Dos rins ao infinito incubado na cóleraDo tempo ao coração mas com pausa na pele
como «Roma by night» entre dois aviões
como passar o Verão numa vogal aberta
como dizer que não que já não somos doisDos rins ao infinito A este que não outro
Ao que rola dos rins Ao que vai rebentar-te
na câmara blindada e nocturna do útero
E nos transfere o fim para um pouco mais tardeDa curva de entretanto à entrada do poço
De soletrar em mim a ler nas tuas mãos
como é rápido e lento e recto e sinuoso
o percurso que vai do tempo ao coração.
Vi Jesus Cristo Descer à Terra
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
Até o Fim
Até o fim com esta garganta
e estes olhos
líquidos, até o fim
com estas mãos
trémulas.Até o fim com estes pés exaustos
e estes lábios costurados
ao pé da noite. Até o fim
sem dizer nada.Até o fim estes canais premindo
o sangue.
Até o fim o obrigatório oxigénio
sobrevivência
no abstracto
difícil ar.Até o fim a tinta ilesa do amor
na alma,
até que quebrem as epidermes
desta mentira,
e o fim prossiga
até o fim.
Pois Casei Má Hora
Pois casei má hora, e nela,
e com tal marido, prima…
Comprarei cá üa gamela,
par’ò ter debaixo dela,
e um grão penedo em cima.
Porque vai-se-me às figueiras,
e come verde e maduro;
e quantas uvas penduro
jeita nas gorgomeleiras:
parece negro monturo.Vai-se-me às ameixieiras,
antes que sejam maduras.
Ele quebra as cereijeiras,
ele vendima as parreiras,
e não sei que faz das uvas.
Ele não vai à lavrada,
ele todo o dia come,
ele toda a noite dorme,
ele não faz nunca nada,
e sempre me diz que há fome!Jesu! Jesu! Posso-te dizer,
e jurar e tresjurar,
e provar e reprovar,
e andar e revolver,
que é milhor pera beber,
que não pera maridar.
O demo que o fez marido!
Que assi seco como é
beberá a torre da Sé:
então arma um arruído
assi debaixo do pé!…
Requiem por Muitos Maios
Conheci tipos que viveram muito. Estão
mortos, quase todos: de suicídio, de cansaço.
de álcool, da obrigação de viver
que os consumia. Que ficou das suas vidas? Que
mulheres os lembram com a nostalgia
de um abraço? Que amigos falam ainda, por vezes,
para o lado, como se eles estivessem à sua
beira?No entanto, invejo-os. Acompanhei-os
em noites de bares e insónia até ao fundo
da madrugada; despejei o fundo dos seus copos,
onde só os restos de vinho manchavam
o vidro; respirei o fumo dessas salas onde as suas
vozes se amontoavam como cadeiras num fim
de festa. Vi-os partir, um a um, na secura
das despedidas.E ouvi os queixumes dessas a quem
roubaram a vida. Recolhi as suas palavras em versos
feitos de lágrimas e silêncios. Encostei-me
à palidez dos seus rostos, perguntando por eles – os
amantes luminosos da noite. O sol limpava-lhes
as olheiras; uma saudade marítima caía-lhes
dos ombros nus. Amei-as sem nada lhes dizer – nem do amor,
nem do destino desses que elas amaram.Conheci tipos que viveram muito –
Pai, Dizem-me que Ainda Te Chamo
Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono – a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aínos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-medepois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabemque o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome – porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.
Andamento
De que estarei me despedindo hoje?
Há em mim uma clara ressonância de
despedida.
Mas não devo saber,
nem é preciso saber.
Creio que vim
pra dizer um dia
na cara do mundo:
hoje estou me despedindo.
E as criaturas boas do meu sangue
abririam a boca
que lhes cortasse o ímpeto inexpresso.
Claro que estou me despedindo.
Hoje sou mais criança do que nunca.
Um Ofício que Fosse de Intensidade e Calma
Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo
Que a palavra fosse sempre a travessia
de um espaço em que ela própria fosse aérea
do outro lado de nós e do outro lado de cá
tão idêntica a si que unisse o dizer e o ser
e já sem distância e não-distância nada a separasse
desse rosto que na travessia é o rosto do ar e de nós próprios
Dactilografia
Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.Outrora.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
lamento para a língua portuguesa
não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.