visto a esta luz
Visto a esta luz Ă©s um porto de mar
como reverberos de ondas onde havia mĂŁos
rebocadores na brancura dos braçosConstroem-te um ponte
que deverá cingir-te os rins para sempreO que há horrĂvel no teu corpo diurno
Ă© a sua avareza de palavras
Ă©s tu inutilmente iluminado e quente
como um resto saĂdo de outras eras
que te fizeram carne e se foram embora
porque verdade sem erro certo verdadeiro
nada era noite bastante para tocarmos melhor
as nossas mãos de nautas navegando o espaço
os corpos um e dois do navio de espelhos
filhos e filhas do imponderável
de cabeça para baixo a ver a terra girarQuero-te sempre como nã querer-te?
mas esta luz de sinopla nas calças!
este interposto objecto
e o seu leve peso de eternidade
Poemas sobre Dois de Mário Cesariny
3 resultadosOs Pássaros de Londres
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londresquando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
Ă luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que Ă© sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde nĂŁo sabes nĂŁo
se vida rogo amor
algum dia erguerĂŁo
do pavimento cĂnzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Um Grande UtensĂlio de Amor
um grande utensĂlio de amor
meia laranja de alegria
dez toneladas de suor
um minuto de geometriaquatro rimas sem coração
dois desastres sem novidade
um preto que vai para o sertĂŁo
um branco que vem Ă cidadeuma meia-tinta no sol
cinco dias de angĂşstia no foro
o cigarro a descer o paiol
a trepanação do touromil bocas a ver e a contar
uma altura de fazer turismo
um arranha-céus a ripar
meia-quarta de cristianismouma prancha sem porta sem escada
um grifo nas linhas da mĂŁo
uma Ibéria muito desgraçada
um Rossio de solidĂŁo