Poemas sobre Dois

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Poemas de dois escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

NĂŁo!

Tenho-te muito amor,
E amas-me muito, creio:
Mas ouve-me, receio
Tomar-te desgraçada:
O homem, minha amada,
NĂŁo perde nada, goza;
Mas a mulher Ă© rosa…
Sim, a mulher Ă© flor!

Ora e a flor, vĂŞ tu
No que ela se resume…
Faltando-lhe o perfume,
Que Ă© a essĂŞncia dela,
A mais viçosa e bela
VĂŞ-a a gente e… basta.
SĂŞ sempre, sempre, casta!
Terás quanto possuo!

Terás, enquanto a mim
Me alumiar teu rosto,
Uma alma toda gosto,
Enlevo, riso, encanto!
Depois terás meu pranto
Nas praias solitárias…
Ondas tumultuárias
De lágrimas sem fim!

Ă€ noite, que o pesar
Me arrebatar de cada,
Irei na campa rasa
Que resguardar teus ossos,
Ah! recordando os nossos
TĂŁo venturosos dias,
Fazer-te as cinzas frias
Ainda palpitar!

Mil beijos, doce bem,
Darei no pĂł sagrado,
Em que se houver tornado
Teu corpo tĂŁo galante!
Com pena, minha amante,
De nĂŁo ter a morte
CaĂ­do a mim em sorte…
Caído em mim também!

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Sociedade

O homem disse para o amigo:
— Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dĂşzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
— Breve irei a tua casa.
E apertou a mĂŁo dos dois.

No caminho o homem resmunga:
— Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: — Que idiota.

— A casa é um ninho de pulgas.
— Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam Ă  casa do amigo
que ainda nĂŁo pĂ´de retribuir a visita.

Quando Analiso a Conquistada Fama

Quando analiso
a conquistada fama dos herĂłis
e as vitĂłrias dos grandes generais,
nĂŁo sinto inveja desses generais
nem do presidente na presidĂŞncia
nem do rico na sua vistosa mansĂŁo;
mas quando eu ouço falar
do entendimento fraterno entre dois amantes,
de como tudo se passou com eles,
de como juntos passaram a vida
através do perigo, do ódio, sem mudança
por longo e longo tempo atravessando
a juventude e a meia-idade e a velhice
sem titubeios, de como leais
e afeiçoados se mantiveram
— aí então é que eu me ponho pensativo
e saio de perto Ă  pressa
com a mais amarga inveja.

A Vida

Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ă“ fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!

Ă“ Quarta-feira de Trevas!

Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,

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O que se Prende no Tempo

O que se prende no tempo
é do tempo a árvore crua um ídolo sem desejos
e os ĂłrfĂŁos feitos de um osso apenas

Entre duas crianças amestradas entre duas
moléculas frondosas
de quem tirei os segredos

Nevermore

Ah, lembrança, lembrança, que me queres? O Outono
Fazia voar os tordos plo ar desmaiado

E o sol dardejava um monĂłtono raio
No bosque amarelado onde a nortada ecoa.

A sonhar caminhávamos os dois, a sós,
Ela e eu, pensamento e cabelos ao vento.
De repente, fitou-me em olhar comovente:
«Qual foi o teu mais belo dia?» disse a voz

De oiro vivo, sonora, em fresco timbre angélico.
Um sorriso discreto deu-lhe a minha réplica
E entĂŁo, como um devoto, beijei-lhe a mĂŁo branca.

— Ah! as primeiras flores, como são perfumadas!
E como em nĂłs ressoa o murmĂşrio vibrante
Desse primeiro sim dos lábios bem-amados!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

SĂł nĂłs dois

SĂł nĂłs dois Ă© que sabemos
O quanto nos queremos bem
SĂł nĂłs dois Ă© que sabemos
Só nós dois e mais ninguém
SĂł nĂłs dois avaliamos
Este amor, forte, profundo…
Quando o amor acontece
Não pede licença ao mundo

Anda, abraça-me… beija-me
Encosta o teu peito ao meu
Esqueça o que vai na rua
Vem ser meu, eu serei tua
Que falem nĂŁo nos interessa
O mundo nĂŁo nos importa
O nosso mundo começa
Ca; dentro da nossa porta.

SĂł nĂłs dois Ă© que sabemos
O calor dos nossos beijos
SĂł nĂłs dois Ă© que sofremos
As torturas dos desejos
Vamos viver o presente
Tal-qual a vida nos dá
O que reserva o futuro
Só Deus sabe o que será.

Ode a LĂ­dia

Esta sĂşbita chuva que desaba
pela pele morena
de teu rosto
por teu riso por teus ombros
pelos teus longos
cabelos
cai na terra
— ouve bem —

com o peso, o
doce peso de milénios

Pois verdade Ă© que outra
é a água
mas a mesma
(escorrendo pela
gloriosa nudez
de teu corpo)
mesmo o cheiro hĂşmido
da terra, mesmo
nas árvores
o áspero, esperado canto
de verĂŁo

Tudo, nada mudou

Pois verdade Ă© que outra
é a água
mas a mesma
(escorrendo pela
gloriosa nudez
de teu corpo)
mesmo o cheiro hĂşmido
da terra, mesmo
nas árvores
o áspero, esperado canto
de verĂŁo

Tudo, nada mudou

Bebe pois desta água
bebe
bebe com todo o teu corpo
até que toda te farte
bebe
até que te embriague
a milenar
experiĂŞncia
do planeta

Bebe e
(sábia)
colhe nas mĂŁos o momento
que esvoaça
— este breve momento em que
como duas crianças
somos
e amamos

Retrato do Artista em CĂŁo Jovem

Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás de lágrimas maiores
este Ă© de todos o teu melhor retrato
o de cĂŁo jovem a que sĂł falta falar
o de cão através da cidade
com uma dor adolescente
de esquina para esquina cada vez maior
latindo docemente a cada lua
voltando o focinho a cada esperança
ainda sem dentes para as piores surpresas
mas avançando a passo firme
ao encontro dos alimentos

aqui estás tal qual
és bem tu o cão jovem que ninguém esperava
o cĂŁo de circo para os domingos da famĂ­lia
o cĂŁo vadio dos outros dias da semana
o cĂŁo de sempre
cada vez que há um cão jovem
neste local da terra

Os Justos

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja mĂşsica.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lĂŞem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razĂŁo.
Essas pessoas, que se ignoram, estĂŁo a salvar o mundo.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Campainhada

As duas ou trĂŞs vezes que me abriram
A porta do salão onde está gente,
Eu entrei, triste de mim, contente –
E Ă  entrada sempre me sorriram…

Posfácio à Toca do Lobo

– Pai, vem da morte e vamos Ă s perdizes.
Vejo a aurora, que tinge do seu rajo
de dente a dente a Serra de Soajo…
– Ciprestes, desatai-o das raĂ­zes!

– Este Inverno as perdizes estĂŁo em barda:
criaram-se as ninhadas sem granizo.
Vamos chumbar dos perdigões o guizo,
anda matar securas da espingarda.

A tua Holland… O animal de presa…
O azul brunido… Velha e como nova…
Bem a merecias a alegrar-te a cova.
Penou-te de saudades, com certeza.

Aqui a tens. Porque era ver-te, olhá-la,
sequer um dia que nĂŁo fosse vĂŞ-la.
Olha deluz-se a derradeira estrela,
já folga a luz no lustra aqui da sala.

Trinta anos depois, caçar contigo,
e sempre conversando e Ă  chalaça…
Mais que perdizes, hoje, melhor caça
É matar fomes do caçar antigo.

Ver-te sorrir Ă  escapatĂłria sonsa
da velha que não viu «perdiz nem chasco!»
E o Lorde a anunciá-la sob o fasco,
e tu lambendo o cigarrinho de onça…

Ó pai, se não vivias há trinta anos,
também há trinta eu não vivia,

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Já quasi até Morria

Já quasi até morria
C’os olhos nos da amada.
E ela que se sentia
NĂŁo menos abrasada:
– “Ai, caro Atfes! – dizia –
NĂŁo morras inda, espera
Que eu contigo morrer também quisera”
A ânsia com que acabava
A vida, Atfes, refreia,
E, enquanto a dilatava,
Morte maior o anseia.
Os olhos nĂŁo tirava
Dos do Ă­dolo querido,
Nos quais bebia o NĂ©ctar diluĂ­do.

Quando a gentil Pastora,
Sentindo já chegada
Do doce gosto a hora,
Com a vista perturbada
Disse, tremendo: – “Agora
Morre, que eu morro, amor”
– “E eu – disse ele – contigo”
Viram-se desta sorte
Os dois finos amantes
Mortos ambos de um tal corte;
E os golpes penetrantes
Desta casta de morte
Tanto lhe agradaram,
Que para mais morrer recuscitaram.

Agora Mesmo

Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado
Está gente a morrer e nós também

Está gente a despedir-se sem saber que para
Sempre
Este som já passou Este gesto também
Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante
Tu prĂłprio te despedes de ti prĂłprio
Não és o mesmo que escreveu o verso atrás
Já estás diferente neste verso e vais com ele

Os amantes agarram-se desesperadamente
Eis como se beijam e mordem e por vezes choram
Mais do que ninguém eles sabem que estão a
[despedir-se

A Terra gira e nós também A Terra morre e nós
Também
NĂŁo Ă© possĂ­vel parar o turbilhĂŁo
Há um ciclone invisível em cada instante
Os pássaros voam sobre a própria despedida
As folhas vĂŁo-se e nĂłs
Também
Não é vento É movimento fluir do tempo amor e morte
Agora mesmo e para todo o sempre
Amen

Assim a Casa Seja

Amor, Ă© muito cedo
E tarde uma palavra
A noite uma lembrança
Que nĂŁo escurece nada

Voltaste, já voltaste
Já entras como sempre
Abrandas os teus passos
E paras no tapete

EntĂŁo que uma luz arda
E assim o fogo aqueça
Os dedos bem unidos
Movidos pela pressa.

Amor, Ă© muito cedo
E tarde uma palavra
A noite uma lembrança
Que nĂŁo escurece nada
Voltaste, já voltei
Também cheia de pressa
De dar-te, na parede
O beijo que me peças

EntĂŁo que a sombra agite
E assim a imagem faça
Os rostos de nĂłs dois
Unidos pela graça.

Amor, Ă© muito cedo
E tarde uma palavra
A noite uma lembrança
Que nĂŁo escurece nada

Amor, o que será
Mais certo que o futuro
Se nele Ă© para habitar
A escolha do mais puro

Já fuma o nosso fumo
Já sobra a nossa manta
Já veio o nosso sono
Fechar-nos a garganta.

EntĂŁo que os cĂ­lios olhem
E assim a casa seja
A árvore do Outono
Coberta de cereja.

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Aos Amores!

A vida que tudo arrasta os amores também
uns dão à costa, exaustos, outros vao mais além
navegadores só solitários dois a dois
heróis sem nome e até por isso heróis

Desde que o John partiu a Rosinha passa mal
vive na Loneley Street, Heartbreak Hotel, Portugal
ainda em si mora a doce mentira do amor
tomou-lhe o gosto ao provar-lhe o sabor

Os amores sĂŁo facas de dois gumes
tĂŞem de um lado a paixĂŁo, do outro os ciĂşmes
sĂŁo desencantos que vivem encantados
como velas que ardem por dois lados

Aos amores!

No convento as noviças cantam as madrugadas
e a bela monja escreve cartas arrebatadas
“Ă© por virtude tua que tu Ă©s o meu vĂ­cio
por ti eu lanço os ventos ao precipĂ­cio”

O Rui da Casa Pia sabe que sabe amar
sopra na franja, maneira de se pentear
vai Ă  posta restante para ver quem lhe escreveu
foi uma bela monja que nunca conheceu

Aos amores!
(desordeiros irresistĂ­veis deleituosos entranhantes
verdadeiros evitáveis buliçosos como dantes
bicolores transgressores impostores cantadores)

A Marta,

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Partida

Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me Ă s vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.

Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.

A minh’alma nostálgica de alĂ©m,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a fôrça de sumir também.

Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que sĂŁo para o artista? Coisa alguma.
O que devemos Ă© saltar na bruma,
Correr no azul á busca da beleza.

É subir, é subir àlem dos céus
Que as nossas almas sĂł acumularam,
E prostrados resar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.

É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d’irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.

É suscitar côres endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d’alma ampliada,

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Sátira

Besta e mais besta! O positivo Ă© nada…
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.

Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crĂŞs, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d’Elmano a fĂşria temes…
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!

És de rábula vil corrupta imagem;
Tu vendes o louvor, como ele as partes,
Mas ele na enxovia infâmias paga,
E tu, com tĂşstios, que aos caloiros pilhas,
Compras gravatas, em que a tromba enorme
Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
Qual em tenra mĂŁozinha esconde a face
Mimoso infante de papões vexado.
Útil descuido aos cárceres te furta,
À digna habitação de ti saudosa
(Digo, o Castelo), estância equivalente
Aos méritos morais, que em ti reluzem.

De saloios vinténs larápio sujo,
A glĂłria do teu Ăłdio restitui
A quem no teu louvor desacreditas.
Se honrada pelos sábios d’Ulisseia
(D’Ulisseia nĂŁo sĂł,

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Um CĂŁo Ă© isto de Sermos Gente

Um cĂŁo
Ă© isto de sermos gente.

Se temos sĂł duas pernas
temos em contrapartida
uma complicação escura
dentro do peito.

Qualquer coisa como
os fundos desconhecidos
da água
sĂł conhecidos
dos náufragos.

Para matar
Ă© preciso uma arma
e para voar
como bĂşzios
precisamos papel e lápis
— e assim viajamos
dentro de vegetais malas de viagens
procurando o destino sufocante
de todas as paragens.

Poema da MemĂłria

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
sĂł um espelho com isso se parecia.

De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
sĂł tinha olhos para o rio distante,
os olhos do animal embalsamado
mas vivo
na vĂ­trea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
onde dois grandes olhos,
grandes e ávidos, fixos e pasmados,
o fitavam sem tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos grandes,
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.

E por que nĂŁo galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da histĂłria que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!

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