Os Antigos
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. —
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido “Ah!” para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo…
Nenhum eco para mim…
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo…
No silêncio e na luz falsa do fundo…Que Musa!…
Poemas sobre Dúvida
29 resultadosO Único Mistério do Universo é o Mais e não o Menos
No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo…Se o homem fosse, como deveria ser,
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais,
Animal directo e não indirecto,
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do «conjunto»;
Um sentido, como ver e ouvir, do «total» das coisas
E não, como temos, um pensamento do «conjunto»;
E não, como temos, uma ideia do «total» das coisas.
E assim – veríamos – não teríamos noção de conjunto ou de total,
Porque o sentido de «total» ou de «conjunto» não seria de um «total» ou de um «conjunto»
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as coisas – eis o erro e a dúvida.
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe.
A Realidade é apenas real e não pensada.
O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
Poema para a Catarina
Hei-de levar-te filha a conhecer a neve
tu que sabes do sol e das marés
mas nunca repousaste os teus pequenos pés
na alvura que só longe e em ti houveTinha estado na morte e não pudera
aguentar tamanha solidão
mas depois tive a companhia do nevão
e tu hás-de vir filha com a primaveraE o deslumbrante resplendor da alegria
tua fidelidade eterna à vida
já não permitirão tua partida
quando raiar fatal o novo diaAs barcas carregadas com as rosas
virão perto daquela pura voz
abandonada pelos meus longínquos avós
em lagoas profundas perigosasNão me afecta o mínimo cuidado
sinto-me vertical sinto-me forte
embora leve em mim até à morte
a cabeça de um príncipe coitadoNaquelas madrugadas primitivas
eu segregava um secreto pranto
vizinho da alegria enquanto
pelos dias tu ias de mãos vivas
O costume da minha solidão
é ver pela janela as oliveiras
que de todas as árvores foram as primeiras
que tocaram meu jovem coraçãoPurificado pelo tempo estou
um tempo de feroz esquecimento
vem minha filha vem neste momento
em que eu liberto ao teu encontro vouRecordo-me do teu cabelo de chuva
quando tu caminhavas ágil e ladina
pelos desfiladeiros da neblina
nessa distante região da uvaMinha paixão viril serena pelos ritos
deseja que na minha companhia
tu sejas imolada à alegria
na surda região alheia aos gritosNão olhes o meu rosto devastado pela idade
a vida para mim é como se chovesse
mas se viesses seria como se me acontecesse
cantar contigo a perene mocidadeO tempo em que viesses sim seria
um tempo vertebrado um tempo inteiro
e não meras palavras arrancadas ao tinteiro
e alinhadas em fugaz caligrafiaViesses tu que a tua vinda afastaria
todos os meus cuidados transumantes
e para sempre alegre viveria
os meus dias infantes já distantesA solução da solidão compartilhada
onde vejo o meu mais profundo mundo
seria a solução ampla e sem fundo
oposta sem resposta ao meu país do nadaCom a voracidade do olvido
seria só tu vires e lutares
e por mim de olhos enormes e crepusculares
serias ente querido recebidoVolta com os primeiros anjos de dezembro
num vasto laranjal eu quero amar-te
e então a tua vida há-de ser a minha arte
e o teu vulto a única coisa que relembroO passado é mentira digo eu
sensível ao esplendor do meio-dia
e sob a árvore plena da alegria
o mínimo cuidado esmoreceuAo grande peso de tanto passado
com a insónia da dúvida na testa
basta a tua presença que protesta
e todo eu me sinto renovado
Tédio
Ir levando no caminho os amores perdidos
e os sonhos idos
e os fatais sinais do olvido.Ir seguindo na dúvida das horas apagadas,
pensando que todas as coisas se tornaram amargas
para alongarmos mais a via dolorosa.E sempre, sempre, sempre recordar a fragrância
das horas que passam sem dúvidas e sem ânsias
e que deixamos longe na estéril errância.Tradução de Albano Martins
Cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno,
Se a Luz Tivesse Beiços
Se a luz tivesse beiços rir-se-ia
de quem fecha os olhos para ver
do claro dia apenas sombra e esquivando o perigo
de uma relação íntima com a dúvidanão ousou nunca
dar-lhe o braço, para não sentir
o corpo dela a enlaçar o seu, e provar-lhe
da carne o inesperado gosto.
Na Casa Defronte
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não sou eu.As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.Nada! Não sei…
Um nada que dói…
Culpabilidade
O que é o perdão?
Vivi na esperança
de o ter entre os dedos.
Quem diz que o alcança
só vive de enredos…Fiz mal? Mas a quem?
Que venham contar-me
as mágoas geradas
por meu vil desdém
e as feridas mostrar-me
na carne rasgadas.Fiz mal? Mas a quem?
Fui pedra lançada
no vosso caminho?
Barrei-vos a estrada
com traves de pinho?Só sei que
há vozes gritando
a culpa que sinto
pesar-me na alma,
há ecos cavando
a dor que pressinto
em noites de calma…Só sei que
suspensos enredos
da minha agonia,
urdida ao serão
em grande segredo,
tornaram vazia
a minha intuição.Fiz mal? Sim ou não?
Onde e quando?
Dizei-mo, dizei-mo!Eu sou como a rocha
virada prò norte,
que acolhe a rajada
em concha bem forte
e a atira prò nada…Fiz mal? Sim ou não?
Até os duendes,
escondidos e aduncos,
me negam razão.
O Lord
Lord que eu fui de Escócias doutra vida
Hoje arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
Milord reduzido a viver de imagens,
Pára às montras de jóias de opulência
Num desejo brumoso – em dúvida iludida…
(- Por isso a minha raiva mal contida,
– Por isso a minha eterna impaciência.)Olha as Praças, rodeia-as…
Quem sabe se ele outrora
Teve Praças, como esta, e palácios e colunas –
Longas terras, quintas cheias,
Iates pelo mar fora,
Montanhas e lagos, florestas e dunas…(- Por isso a sensação em mim fincada há tanto
Dum grande património algures haver perdido;
Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido –
E a Cor na minha Obra o que ficou do encanto…)