SĂł o Amor me Interessa
Nesta fase em que sĂł o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdadeo estar Ă janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calmanesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braçonesta fase em que o amor é não ler os jornais
podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
– aqui está uma janela acolá voam as pombas –podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pĂ´r a mĂŁo sob o rosto e encher-te de luzporque o amor meu amor Ă© este equilĂbrio
esta serenidade de coração e árvores
Poemas de Egito Gonçalves
5 resultadosCom Palavras
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhĂŁs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras – inaudĂveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
PossuĂmos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco lĂnguas.
Tomamo-las Ă noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na lĂngua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silĂŞncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
PossuĂmos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmĂŁo que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar…
Ă€ MemĂłria de Minha MĂŁe
MĂŁe! Morreste!
Agora é tão tarde para te dizer as palavras necessárias.
O relógio bateu duas e meia. É noite escura
E a dor galopa surdamente no meu peito.
Teu corpo jaz ainda morno, já sem interesse para ti.
Por tua causa, amanhĂŁ, movimentar-se-ĂŁo pessoas
Diversas
Que nĂŁo te conheceram.
Serão preenchidos papéis: requerimentos, boletins;
Pás ou picaretas (nem eu sei) ferirão a terra
E sobre ela erguerĂŁo, depois, um nĂşmero qualquer
Que será de futuro o teu bilhete de identidade.
Agora, porém, tudo ainda é quieto.
SĂł um galo canta, feliz, na sua inconsciĂŞncia de ser vivo.
As lágrimas rompem-me incontroláveis e inúteis.
É tarde!
Já só existem saudades e fotografias.
As palavras que eu amaria ter-te dito
Sobem-me ao silêncio dos lábios cerrados.
Lá fora a chuva molha a madrugada
Enquanto os familiares se olham
Com o rosto congestionado de lágrimas
E sono interrompido,
Adorando-te em silĂŞncio,
Mais que nunca,
— Esmagados pelo prestĂgio da morte.
NotĂcias do Bloqueio
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notĂcias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos…
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.Tu lhes dirás o nosso Ăłdio construĂdo,
sustentando a defesa Ă nossa volta
– único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silĂŞncio, bebemos
silĂŞncio, nadamos e morremos
feridos de silĂŞncio duro e violento.Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
AnĂşncio no Ar
CĂ©us, nuvens, ondas, ventos,
dai-me notĂcias do meu amor norueguĂŞs.Elementos da natureza gastos por tantos versos,
ferralha romântica, brilhai de novo
e trazei-me notĂcias do meu amor norueguĂŞs.Aquela que eu amei um verĂŁo na praia
– pérola cuja ostra era um barco de carvão,
matrĂcula de Bergen, essa mesma, elementos!,
notĂcias, notĂcias do meu amor norueguĂŞs.A que veio dos fiordes e vivia num barco
encostado ao cais, junto de um guindaste;
a que me acendeu a manhĂŁ do amor,
a que abriu a porta Ă s tempestades,
a que me deu a chave da invenção…
Existe? Fugiu Ă ocupação? Morreu prisioneira?NotĂcias, notĂcias do seu rosto que mal lembro,
do seu corpo de caule adolescente…
NotĂcias do seixo branco que trocámos
com palavras de amor em inglĂŞs mal decorado.NotĂcias da que foi espiga mal madura,
notĂcias do meu amor norueguĂŞs.