A Luz do Teu Amor
Oh! Sim que és linda! a inocência
Em tua fronte serena
Com tal doçura reluz!…
Tanta e tanta… que a açucena
Tão esplêndida a existência
Não lha doura assim à luz!
Oh! que és linda, e mais… e mais
Quando um traço melancólico
Te diviso no semblante
Nos teus olhos virginais!
Que doçura não existe
Ai! ó virgem, nesse instante
Na poética beleza
Desse traço de tristeza
Que te vem tornar mais bela
Mal em teu rosto pousou!
E eu te quero assim, ó estrela,
Que se inspira em mim a crença
Triste… triste, que és mais linda,
Mas dessa beleza infinda
Das ficções da renascença
Que a poesia perfumou!Fita agora os olhos lânguidos
Na estrela que te ilumina,
Eu não sei que luz divina
De amor nos fala em teu rosto!
Eu não sei, nem tu… ninguém!…
Que a vaga luz do sol posto,
Que a palidez da cecém,
Que a meiguice dos amores,
E que o perfume das flores
Não respiram a harmonia
Desse toque leve…
Poemas sobre Esperança
138 resultadosA Mulher que Passa
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!Oh! Como és linda, mulher que passas
que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!Porque me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Menina e Moça
Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;
Natal… Natais…
Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
Não deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anúncio de alvorada;
E ein cada árvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;E no fragor do vento falas de anjos, e no vácuo
De silêncio da noite
Estriada de súbitos clarões,
A presença de Alguém cuja forma é precária
E a sua essência, eterna.
Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?
A uma Rosa
Como tens tão pouca vida?
Quem tão depressa te mata?
Flor do mais ilustre sangue,
Que deu de Vénus a planta?
Uma Aurora só que vives,
Flores te chamam Monarca:
Na mesma terra do império,
Que foi berço, tens a campa.
Lástima da tarde chamam
A ti doce mimo da alva,
Gentil pérola nascida
Entre concha de esmeralda.
Águia nos voos florentes
Estendes ao Sol as asas,
Mas quando os raios lhe logras,
Fénix em raios te abrazas.Em quanto em verde clausura
Te fecha o botão as galas,
Para os logros, que desejas,
Te dão vida as esperanças.
Mas quando a púrpura bela
Te serve já de mortalha,
Sentido o Sol chora raios,
Buscando a morte nas águas.
De fermosura tão rica
Não sei quem foi o pirata
Tão atrevido, que rouba
A joia da madrugada.
Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho… )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Tudo é Belo
Tudo é belo
Mulher e por exemplo uma água quando a gente bebe
ou uma água que a gente joga na cara
e fica deixando a frieza vir penetrando na pele;
a água que escorre da bica e cai no monjolo e o monjolo toca;
a água de um poço na mata.
A água quando a gente bebe é por exemplo como um beijo.Mulher e por exemplo café, ou estrada quando o trem-de-ferro
atravessa um rio;
um rio que banha terras verdes, longe.Tudo é belo.
Árvore de cedro e por exemplo um homem que está
preso injustamente, um homem que tem esperança
e que é mais forte que os risos e sevícias,
quando tentam matar nele a esperança…Tudo é belo.
A cabeça fatigada de um homem.
As pernas solitárias. As mãos solidárias.
O peito largo como um tronco de árvore secular.Tudo é belo.
Mulher e por exemplo, as canções.
O caminho do nascimento à morte de um homem.
Sonambulismo
Tombam os dias inúteis:
amanhece, é tarde, anoitece.
Mas a nós que nos importa
ser manhã, meio dia ou noite?!…
Sonâmbula a vida decorre
– nas ruas, a paz larvar dos grandes cemitérios;
dentro de nós, cada um
apodrece.
Enchem-se de títulos vibrantes os jornais
– mas tudo é tão longe…
Passam homens por homens e não se conhecem:
Boa tarde! Bom dia!
Cada um fechado nas suas fronteiras,
os gestos vazios,
a vida sem sentido
– sonambulismo apenas.Acorda!
Ainda que seja só para o sobressalto,
que as ilusões do sonho se desfaçam
e as esperanças morram todas nessa hora!Acorda!
ainda que o caminho a percorrer te espante
e o peso da obra a realizar te esmague!Ainda que acordar seja
morrer depois aos poucos, em cada momento,
dolorosamente
Retrato do Artista em Cão Jovem
Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás de lágrimas maiores
este é de todos o teu melhor retrato
o de cão jovem a que só falta falar
o de cão através da cidade
com uma dor adolescente
de esquina para esquina cada vez maior
latindo docemente a cada lua
voltando o focinho a cada esperança
ainda sem dentes para as piores surpresas
mas avançando a passo firme
ao encontro dos alimentosaqui estás tal qual
és bem tu o cão jovem que ninguém esperava
o cão de circo para os domingos da família
o cão vadio dos outros dias da semana
o cão de sempre
cada vez que há um cão jovem
neste local da terra
In Extremis
1
Só a criança conhece a Eternidade
Que é inocência do desconhecido.
E o que me dá saudade
É havê-la em mim perdido.Outra herança de tudo que não sou
Podeis levá-la! Faça-se a vontade:
Que a imortal, perene propriedade,
Perdeu-a o homem quando semeou.Ah! como a onda do mar que é mais bravia
É que abraça os escolhos,
Só terra de poesia
Foi na minh’alma dor, o luto dos meus olhos.Entre o homem e o mundo há um novelo
De linha preta:
Meu acto de Fé é ser criança, e crê-lo,
Que é ser poeta.2
O que levamos da terra
É o céu que possuímos:
Esperança das sepulturas.E à morte que damos vida
Todos os deuses se igualam
Ao mesmo Deus das Alturas.Sê, ó Morte, o meu dia de Juízo
Se é fantasia o que penso
Sonho a terra que piso.Mas quando o corpo, a natureza morta
Me for nas mãos dos homens
Com suas luvas pretas,
Amor Sem Fruto, Amor Sem Esperança
Amor sem fruto, amor sem esperança
É mais nobre, mais puro,
Que o que, domando a ríspida esquivança,
Jaz dos agrados nas prisões seguro.
Meu leal coração, constante e forte,
Vendo a teu lado acesos,
Flérida ingrata, os ódios, os desprezos,
O rigor, a tristeza, a raiva, a morte,
Forjando contra mim, por ordem tua,
Mil setas venenosas,
Em prémio destas lágrimas saudosas,
Inda assim continua
A abrasar-se em teus olhos… Vis amantes,
Corações inconstantes,
De sórdidas paixões envenenados,
Vós, a cujos ardores,
A cujos desbocados
Infames apetites
A Virtude, a Razão não põe limites,
Suspirai por ilícitos favores,
Cevai-vos em torpíssimos desejos,
Tratai, tratai de louco um amor casto,
Que eu nos grilhões que arrasto;
Tão limpos como o Sol, darei mil beijos.
Peçonhenta aliança,
Vergonhoso prazer, de vós não curo;
De ti, sim, porque és puro,
Amor sem fruto, amor sem esperança.
Cântico
Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.
A Morte o Amor a Vida
Julguei que podia quebrar a profundeza a
[imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangueQueria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro
[nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anulaTu vieste o fogo então reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de
[estrelas
E a terra cobriu-se
Da tua carne clara e eu senti-me leve
Vieste a solidão fora vencida
Eu tinha um guia na terra
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava espaço e tempo
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente
[para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava
[as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros
[temposOs campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas
Nada é simples nem singular
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noiteA floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens nasceram para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que hão-de reinventar o fogo
Que hão-de reinventar os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos.
A um Mosquito
Invencível mosquito,
Émulo do mais livre pensamento,
Sem corpo, e de todo espírito,
Que deste fim a um tão alto intento,
Quando precipitado
O céu de Délia acometeste ousado.As portas de diamante
Cerradas ao clamor de tanta gente
Abriste triunfante,
Zombando da esperança impertinente,
Que entre temor, e espanto
Nunca acabou comigo esperar tanto.Cupido, que inquieta
Délia sentiu ferida,
Espera, que o sinta,
A lança, que tiraste em sangue tinta,
Que o peito endurecido
É prova das setas de Cupido.Porém de nada disto
Te mostres tão soberbo, e presumido,
Que podes sem ser visto
Passar a mais ferir, sem ser sentido,
E para castigar-te,
Não ocupas lugar nalguma parte.Foras de amor ferido,
Se tivera o teu erro algum desconto,
Ou se achara Cupido
Aonde a ponta da seta pôr o ponto.
Condolação bastante;
Pois não picaste a Délia como amante.Buscaste a noite escura
Por cometer a Délia mais oculto;
Quem medo te afigura,
Se não faz o teu corpo nenhum vulto,
Ode à Esperança
1
Vem, vem, doce Esperança, único alívio
Desta alma lastimada;
Mostra, na c’roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da Primavera próxima dá novas.2
Vem, vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidão pesada
O aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao som da braga, que nos pés lhe soa,3
Por ti veleja o pano da tormenta
O marcante afouto:
No mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da sposa e dos filhinhos)
Tu lhe pintas a terra pelas nuvens.4
Tu consolas no leito o lasso enfermo,
C’os ares da melhora,
Tu dás vivos clarões ao moribundo,
Nos já vidrados olhos,
Dos horizontes da Celeste Pátria.5
Eu já fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida entre acerbos infortúnios
A sustentei robusta
Com os pomos de teus vergéis viçosos.6
Mas agora, que Márcia vive ausente;
Que não me alenta esquiva
C’o brando mimo dum de seus agrados,
Sem Corpo Nenhum
Sem corpo nenhum,
como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que não se vê!Nenhuma esperança
me dás, nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!
Na Noite Terrível
Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver …Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Ante Tamanhas Mudanças
Antre tamanhas mudanças,
que cousa terei segura?
Duvidosas esperanças,
tão certa desaventura…Venham estes desenganos
do meu longo engano, e vão,
que já o tempo e os anos
outros cuidados me dão.
Já não sou para mudanças,
mais quero üa dor segura;
vá crê-las vãs esperanças
quem não sabe o qu’aventura!
As Ventoinhas
A mulher é um catavento,
Vai ao vento,
Vai ao vento que soprar;
Como vai também ao vento
Turbulento,
Turbulento e incerto o mar.Sopra o sul: a ventoinha
Volta azinha,
Volta azinha para o sul;
Vem taful; a cabecinha
Volta azinha,
Volta azinha ao meu taful.Quem lhe puser confiança,
De esperança,
De esperança mal está;
Nem desta sorte a esperança
Confiança,
Confiança nos dará.Valera o mesmo na areia
Rija ameia,
Rija ameia construir;
Chega o mar a vai a ameia
Com a areia,
Com a areia confundir.Ouço dizer de umas fadas
Que abraçadas,
Que abraçadas como irmãs
Caçam almas descuidadas…
Ah que fadas!
Ah que fadas tão vilãs!Pois, como essas das baladas,
Umas fadas,
Umas fadas dentre nós,
Caçam, como nas baladas;
E são fadas,
E são fadas de alma e voz.É que — como o catavento,
Vão ao vento,
Vão ao vento que lhes der;
Cedem três coisas ao vento:
Catavento,
Atitude
Minha esperança perdeu seu nome…
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.