A Escola Portuguesa
Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisĂŁo:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola Ă© o zangĂŁo.Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d’aurora.Soletram versos e prosas
HorrĂveis; contudo, ao lĂŞ-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmĂşrios de estrela.Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.Oh, que existĂŞncia doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatĂłria!E como os dias sĂŁo longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martĂrios!
João Félix co’as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lĂrios!Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeĂŁ,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discĂp’lo — AmanhĂŁ!Como Ă© que há-de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se Ă© o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!
Poemas sobre Estupidez
7 resultadosA Vida
Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ă“ Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,
Sombras
A meio desta vida continua a ser
difĂcil, tĂŁo difĂcil
atravessar o medo, olhar de frente
a cegueira dos rostos debitando
palavras destinadas a morrer
no lume impaciente de outras bocas
anunciando o mel ou o vinho ou
o fel.Calmamente sentado num sofá,
começas a entender, de vez em quando,
os condenados a prisão perpétua
entre as quatro paredes do espĂrito
e um esquife negro onde vĂŁo desfilando
imagens, sĂł imagens
de canal em canal, sintonizadas
com toda a angústia e estupidez do mundo.As pessoas – tu sabes – as pessoas são feitas
de vento
e deixam-se arrastar pela mais bela
respiração das sombras,
pela morte que repete os mesmos gestos
quando o crepĂşsculo fica a sĂłs connosco
e a noite se redime com uma estrela
a prometer salvar-nos.A meio desta vida os versos abrem
paisagens virtuais onde se perdem
as intenções que alguma vez tivemos,
o recorte obscuro de perfis
desenhados a fogo há muitos anos
numa alma forrada de espelhos
mas sempre tĂŁo vazia,
Um Adeus PortuguĂŞs
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificadaNão tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dorNĂŁo podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem Ă s mĂŁos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
Ă estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
Ă alegria sonâmbula Ă vĂrgula manĂaca
do modo funcionário de viverNão podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
purĂssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igualNĂŁo podias ficar presa comigo
Ă pequena dor que cada um de nĂłs
traz docemente pela mĂŁo
a esta dor portuguesa
tĂŁo mansa quase vegetalNĂŁo tu nĂŁo mereces esta cidade nĂŁo mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razĂŁo absurda de serNĂŁo tu Ă©s da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu Ă©s da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives nĂŁo de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal*
Nesta curva tĂŁo terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Carta de Amor
Para te dizer tĂŁo-sĂł que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que nĂŁo vejo
a sede dessa boca que nĂŁo canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu nĂŁo estares
talvez por nĂŁo saber se tu existes
(percorrendo em silĂŞncio esses altares
em sacrifĂcios pagĂŁos de olhos tristes).
AusĂŞncia, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que nĂŁo sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas Ă procura
de um resto de virtude que passou
por nĂłs em co(r)pos de loucura?
Há no Pensador uma Tragédia Limitada
há no pensador uma tragédia limitada
o diabo atira pelas frestas para acertar
na verdade na mãe opressora no pai incalculável
se alguma qualidade pode ser preferida
se os sentidos do filho excluĂrem a perda
na medida exata dos ancestrais
e reter a morte com outra igual haverá muita
precisĂŁo embora tal habilidade nĂŁo restrinja
a estupidez no vazio e bastará uma brasa para
incendiar o mundo e sei que a miséria
aspirará o ar bem fundo pra estourar a razão
Se Ă s Vezes Digo que as Flores Sorriem
Se Ă s vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios…
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existĂŞncia verdadeiramente real das flores e dos rios.
Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me Ă s vezes
À sua estupidez de sentidos…
NĂŁo concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela nĂŁo ser linguagem nenhuma.