Silêncio
Já o silêncio não é de oiro: é de cristal;
redoma de cristal este silêncio imposto.
Que lívido museu! Velado, sepulcral.
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto!Um hálito de medo embaciando o vidrado
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos.
Na silente armadura, e sobre si fechado,
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos.Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós
que a própria voz do mar segue o risco de um disco…
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz.
Mas já ninguém pretende exp’rimentar-lhe o risco!
Poemas sobre Fantasmas de David Mourão-Ferreira
3 resultadosLabirinto ou não Foi Nada
Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua …
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.
Voto de Natal
Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida…
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
O calor destas mãos nos meus dedos tão frios?
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.