CerimĂłnia Funesta
O corpo nĂŁo responde
Ă s vozes de comando,
como um cĂŁo estropiado
já desdenha os apelos
os antigos convites
Ă s funestas moradas,
esqueceu-se do ponto
vai olvidando senhas
os cĂłdigos das grutas
acumulando lixos
as servidões austeras
diluem-se num canto
o corpo nĂŁo atende chamadas
nĂŁo estremece ao ruĂdo da chave
nĂŁo suporta
qualquer intromissĂŁo
secou num aterro,
os restos Ă vista
a memĂłria escava
da lembrança os rastos
avidamente suga
de tal fausto os ossos,
de tĂŁo vitais cerimĂłnias
nos tĂŁo secretos barcos
mesmo o pouco que resta
ainda se mastiga.
Poemas de Fátima Maldonado
3 resultadosA Adoração dos Magos
Aquela noite a trĂŞs
foi como desenhar a maçarico
numa chapa de ferro
um vento fĂłssil, um vĂtreo monograma,
o rasto ao exceder o voo de uma carriça
cativo flutua no vidro de uma jarra.
Suspensos percorriam na polpa da vertigem
léguas sobre o abismo.
Pendentes do zinco da manhĂŁ
Ă espera do inĂcio
do seguinte espectáculo
dispersaram o sémen
nas chaminés da noite leprosa.
Nos terraços da luta percorreram
as danças mais funestas da ternura.
Num combinar astuto de referĂŞncias
abriram-se os portais
e despediram galopes penitentes
os animais libertos
das tecidas mansões.
O unicórnio branco depôs sua cabeça
nos braços da senhora,
compadecida dama,
e lhe tocou fiando suas lĂŁs
entre as unhas crivadas por metralha.
Sinto-lhes o assédio,
em cada joelho poisam
um queixo armadilhado,
a barba já cresceu desde o jantar.
«É a adoração dos magos» – murmuras tu –
fincando na ravina os dedos imanados
enquanto o tronco investe
a pele percorrida por venosas nascentes.
Olho por sobre um ombro
e surpreendo a treva
ofendida esgueirar-se
entre os dedos da porta.
Campo de Refugiados
Alguns nĂŁo os vĂamos há anos
faziam parte da nossa mais salubre
juventude
no trabalho ainda havia escape
no amor ainda havia perigo
banquetes celebravam extorsões
compromissos sagrados aluĂam
amores mais indeléveis
sucumbiam aos uivos
nas coutadas
frente Ă horda nĂŁo havia defesa
aquele vĂrus jovem nĂŁo cedia
pisava ameaças ignorava apelos
qualquer moderação nos parecia funesta.
(…) Os poucos resistentes engordaram
sofrem do coração bebem cerveja
tĂŞm a pasta surrada de desgostos
outros alistam-se na cave do comércio
mirram no pĂł as caudas abanadas
à cintura as facas do açougue,
sabujos escrevem coisas irrisĂłrias
enquanto a terra se torna combustĂvel.