Mãe
Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.
Poemas sobre Fogo
138 resultadosErra, Fio mortal da Alma, o Destino
Erra, fio mortal da alma, o destino.
Porém, trémulo, o não temo.
Seco será o poder do nada, o silêncio
dos deuses ou o rosto corrompido
dos homens. Estas folhas ásperas
e pálidas entardecem e conhecem-me.
O ar que queima, sem arder, a pedra
da manhã ou o inigualado luto
da noite, é solene, é suave,
inexorável princípio de tudo
quanto existirá. É ido o sonho
do fogo, a exacta vida, sucumbe
o corpo no vazio enigma da cólera
divina. Dura, sem medida, a excessiva,
a ébria, a avara solidão, neste ar
perene que, no odor da terra se
oculta. Só minha absurda aparência
a Ave dilacera.
o tempo subitamente solto
o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.
Seus Olhos
Seus olhos – que eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda a alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Quimeras
Há na minha vida quimeras distantes,
Quais nuvens errantes, em dias atrozes.
Eu corro atrás delas, mas elas, por fim,
Perdem-se de mim, no horizonte, velozes.Há no meu diário silenciosas dores,
Quais flores que o vento desfaz de manhã.
Com elas me embalo nos dias soturnos,
Dir-se-iam «Nocturnos», como os de Chopin.Há no meu caminho nem sei bem o quê.
Alguém que me vê e que eu não visiono.
São meus dias passados, meus dias de infância,
Sabendo à fragrância das tardes de Outono.Saudades, saudades, sentido da vida,
Um dia vivida e que não volta mais.
Meus dias passados, sobre eles me debruço,
No eterno soluço das coisas mortais.Há na minha vida um viver fictício,
Fogo de artifício, esplendente e altivo.
Eu vejo-o enlevado, um instante fugaz,
Depois se desfaz na noite em que eu vivo.Há na minha vida ignotas tristezas,
Pequenas certezas a que me apeguei.
Com elas eu vivo, com elas eu morro,
Para meu socorro é que eu as criei.Quimeras, quimeras,
Inominado Nome
Persigo-o no ininteligível arbítrio
dos astros, na clandestina linfa
que percorre os túrgidos corredores
do indecifrável, nos falsos indícios
que, de fogos fátuos, escurecema persistente incógnita do nome.
Em persegui-lo persisto onde, bem
sei, não lograrei achá-lo, que nunca
achado será em tempo ou espaço
que excedam meu limite e dimensão.Um nome, ainda obscuro, pressinto
no sal da boca amarga, Conheço-lhe
o rosto familiar, desfocado embora,
no halo do tempo e da distância.
É, creio, a face indefectível de tudoquanto tenho de calar. Este nome
(este rosto) habita-me silente, contra
a recusa, a mentira, ou a calúnia.
Na epiderme, nos nervos e na carne,
sobre a língua e o palato, adivinho-lheforma, sabor e propósito. Ouço-o
dentro de mim, mau grado
o queira ou não, que em mim
só está sofrê-lo porque em mim
vive e dura, enquanto eu dure e viva.E não por meu mal, que meu
mal seria, mais que perdê-lo,
sem ele viver.
Um rosto persigo,
um nome guardo no sal da bocaamarga,
Cabra-Cega
À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
… E foi a vida o seu jogo!Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!
Vida
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada… Que lumaréu!Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
_ E se arde tudo? _ Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder…
Da Violência
A violência que trazemos no sangue
ninguém a sabe e todos (casas
desmoronadas) a exaltam e todos
a descombinamos
gota a gota
em nossos movimentos de cinza
transitória — esta violência
residual
tem do corpo a secura a configuração
cavada no sono na fogueira sem cor
de cidades levantadas sobre a doença sobre
a simulação
de fogo suspenso
no arame dos ossos —
Seus Olhos
Seus olhos – se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti…
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
Se Me Esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
No Leito Fundo
No leito fundo em que descansas,
em meio às larvas e aos livores,
longe do mundo e dos terrores
que te infundia o aço das lanças;longe dos reis e dos senhores
que te esqueceram nas andanças,
longe das taças e das danças,
e dos feéricos rumores;longe das cálidas crianças
que ateavam fogo aos corredores
e se expandiam, quais vapores,
entre as alfaias e as faiançasde tua herdade, cujas flores
eram fatídicas e mansas,
mas que se abriam, fluidas tranças,
quando as tangiam teus pastores;longe do fel, do horror, das dores,
é que recolho essas lembranças
e as deito agora, já sem cores,
no leito fundo em que descansas.
Da Tua Vida
Da tua vida o que não podem entender
Nem oiro nem poder nem segurança
Mas a paixão do Tempo e de seus riscos
Tu buscaste o instante e a intensidade
E foste do combate e da mudança
Por isso um rastro de ruptura e de viagem
Ou talvez este fogo inconquistado
Como breve eternidade
De passagem
Versos para a Patrícia
1. Ilha
Tenho a sede das ilhas
e esquece-me ser terraMeu amor, aconchega-me
meu amor, mareja-meDepois, não
me ensines a estrada.A intenção da água é o mar
a intenção de mim és tu.2. Véspera
Há um perfume
que trabalha em mim
e me acende,
antigo,
sobre a poeiraHá um rosto
que regressa à fonte
água readormecendoE só hoje reparo
o labor das nuvens
corais solares
arquitectando o céuPássaros brancos
vão pousando
na varanda dos teus olhosSó hoje enfrento o sol
fogo imóvel,
labareda de águaAndemos, meu amor,
de coração descalço sobre o sol
Troco-me por Ti
Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.
Consciência Plena
Levas-me, consciência plena, desejante deus,
por todo o mundo.
Neste mar terceiro,
quase oiço tua voz; tua voz do vento
ocupante total do movimento;
das cores, das luzes
eternas e marinhas.Tua voz de fogo branco
na totalidade da água, do barco, do céu,
traçando as rotas com prazer,
gravando-me com fúlgido minha órbita segura
de corpo negro
com o diamante lúcido em seu dentro.Tradução de José Bento
Poema de Amor
A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue…
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas…
Lágrimas… nuvens… e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera…
Assim a Casa Seja
Amor, é muito cedo
E tarde uma palavra
A noite uma lembrança
Que não escurece nadaVoltaste, já voltaste
Já entras como sempre
Abrandas os teus passos
E paras no tapeteEntão que uma luz arda
E assim o fogo aqueça
Os dedos bem unidos
Movidos pela pressa.Amor, é muito cedo
E tarde uma palavra
A noite uma lembrança
Que não escurece nada
Voltaste, já voltei
Também cheia de pressa
De dar-te, na parede
O beijo que me peçasEntão que a sombra agite
E assim a imagem faça
Os rostos de nós dois
Unidos pela graça.Amor, é muito cedo
E tarde uma palavra
A noite uma lembrança
Que não escurece nadaAmor, o que será
Mais certo que o futuro
Se nele é para habitar
A escolha do mais puroJá fuma o nosso fumo
Já sobra a nossa manta
Já veio o nosso sono
Fechar-nos a garganta.Então que os cílios olhem
E assim a casa seja
A árvore do Outono
Coberta de cereja.
O Amor Eterno
E agora que as mãos da incrédula
rapariga te empurram para a saída,
onde irá chover, de acordo com
a cor do céu, não resistas. Na rua,
onde os ventos se cruzam na esquina,
os que sopram, do norte, de colinas
manchadas pelo inverno, e os que
nascem do rio, trazendo a impressão
húmida do litoral, acende um cigarro,
para que o calor do lume te reconforte
as mãos, avança pelo passeio, enquanto
o frio te deixar, e ouve o canto da água
por baixo de terra: correntes
no limite entre o gelo
e o fogo, uma evaporação de humores,
como se as almas lutassem em busca de
saída, e, no fumo de uma memória
de mesa antiga, tu e essa que amaste,
trocando as frases matinais do re-
encontro. Vidros embaciados pelas
lágrimas da ruptura, perguntas sem
resposta, a casa de luzes
apagadas, como se estivesse vazia – e como
se não soubesses que os destinos se decidem
por cima de nós, onde em cada instante
um deus cansado nos desfaz as inúteis
promessas de eternidade.
Teus Olhos
Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária.Tradução de Luis Pignatelli