Não Creio nesse Deus
I
Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.II
Não vês que o teu bem-estar faz d’outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p’ra ti o céu e a terra..
— Não te achas egoísta ou exigente?III
Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P’ra o homem conseguir o que deseja.IV
Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?…
P’ra esses é o céu; porque o inferno
É p’ra quem vive a vida à custa alheia!
Poemas sobre Gente de António Aleixo
4 resultadosOnde Nasceu a Ciência e o Juízo?
MOTE
— Onde nasceu a ciência?…
— Onde nasceu o juízo?…
Calculo que ninguém tem
Tudo quanto lhe é preciso!GLOSAS
Onde nasceu o autor
Com forças p’ra trabalhar
E fazer a terra dar
As plantas de toda a cor?
Onde nasceu tal valor?…
Seria uma força imensa
E há muita gente que pensa
Que o poder nos vem de Cristo;
Mas antes de tudo isto,
Onde nasceu a ciência?…De onde nasceu o saber?…
Do homem, naturalmente.
Mas quem gerou tal vivente
Sem no mundo nada haver?
Gostava de conhecer
Quem é que formou o piso
Que a todos nós é preciso
Até o mundo ter fim…
Não há quem me diga a mim
Onde nasceu o juízo?…Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário…
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.
Não Dês Esmola a Santinhos
MOTE
Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.GLOSAS
Não dês, porque a padralhada
Pega nas tuas esmolinhas
E compra frangos e galinhas
Para comer de tomatada;
E os santos não provam nada,
Nem o cheiro, coitadinhos…
Os padres bebem bons vinhos
Por taças finas, bonitas…
Se elas são p’ra parasitas,
Não dês esmola a santinhos.Missas não mandes dizer,
Nem lhes faças mais promessas
E nem mandes armar essas
Se um dia alguém te morrer.
Não dês nada que fazer
Ao padre e ao sacristão,
A ver para onde eles vão…
Trabalhar, não, com certeza.
Dá sempre esmola à pobreza
Se queres ser bom cidadão.Tu não vês que aquela gente
Chega até a fingir que chora,
Afirmando o que ignora,
Assim descaradamente!?…
Arranjam voz comovente
Para jludir os parvinhos
E fazem-se muito mansinhos,
Que é o seu modo de mamar;
Portanto, o que lhe hás-de dar,
Dá antes aos pobrezinhos.
Façam por não Verem Mais
MOTE
Vós, ó mães idolatradas,
Façam por não verem mais
Crianças abandonadas,
Tísicas — nos hospitais.GLOSAS
Sim, vós, ó mães carinhosas,
Criai as vossas filhinhas,
Educai-as de criancinhas,
Mas não em leis religiosas,
Que essas leis são perigosas,
E p’los homens inventadas.
Não sigam, pois, enganadas
Pelos padres sem consciência,
E amem o deus-Providência,
Vós, ó mães idolatradas!…Se quereis ver a religião,
Já noutro tempo atrasado,
Leiam um livro chamado
«Mistérios da Inquisição»…
Lendo aí, compreenderão
Como as pessoas reais
Mandaram fuzilar pais
E mães sem fazerem mal.
Padres e gente real,
Façam por não verem mais.E quando se saiba amar
Como irmãos, em toda a terra,
Bombas, revoluções e guerra
Para sempre hão-de acabar;
Nem mais se hão-de encontrar
Mulheres «matriculadas» —
Infelizes que, desonradas,
Ali procuram a morte,
Deixando, aos vaivéns da sorte,
Crianças abandonadas.Hão-de acabar os ladrões,
Os patifes, os mariolas —
Quando se fizerem escolas
Das igrejas e prisões.