Poemas sobre Homens de CecĂ­lia Meireles

7 resultados
Poemas de homens de CecĂ­lia Meireles. Leia este e outros poemas de CecĂ­lia Meireles em Poetris.

Assovio

Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

Ela nĂŁo sabe o meu rumo,
eu nĂŁo lhe pergunto o seu:
nĂŁo posso perder mais nada,
se o que houve jĂĄ se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo que Ă© meu:
— a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.

Retrato de Mulher Triste

Vestiu-se para um baile que nĂŁo hĂĄ.
Sentou-se com suas Ășltimas jĂłias.
E olha para o lado, imĂłvel.

Estå vendo os salÔes que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que nĂŁo existiu.

Se alguém lhe disser que sonha,
levantarå com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lĂĄgrimas.

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas Ă  beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mĂŁos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relĂąmpagos,
ah, sem relĂąmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmĂșrio da dor, esse murmĂșrio triste e simples
de lĂĄgrima interminĂĄvel, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicĂĄvel,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das ĂĄguas!
Reduze-me ao pĂł que fui!
Reduze a pĂł minha memĂłria!

Reduze a pĂł
a memĂłria dos homens,

Continue lendo…

Jornal, longe

Que faremos destes jornais, com telegramas, notĂ­cias,
anĂșncios, fotografias, opiniĂ”es…?

Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.

Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.

De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.

Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos”.

E Ă© uma das raras vezes em que todos estĂŁo de acordo.

Gargalhada

Hornem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

NĂŁo vĂȘs?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lùmina das espadas e despedaçar eståtuas,
destruir as lĂąmpadas, abater cĂșpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras…

O riso magnĂ­fico Ă© um trecho dessa mĂșsica desvairada.

Mas Ă© preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lùmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ĂĄgeis e as liras sonoras e trĂ©mulas…

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

SĂł de trĂȘs lugares nasceu atĂ© hoje esta mĂșsica herĂłica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

SugestĂŁo

Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercĂ­cio desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados jĂĄ frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂȘncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual Ă  pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă  nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em mĂșsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pĂĄssaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂȘncia para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

NĂŁo como o resto dos homens.

SolidĂŁo

Imensas noites de Inverno,
com frias montanhas mudas,
Ă© o mar negro, mais eterno,
mais terrĂ­vel, mais profundo.

(…)

A noite fecha seus lĂĄbios
– terra e cĂ©u – guardado nome.
E os seus longos sonhos sĂĄbios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.