Poemas sobre Horas

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Poemas de horas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Livro dos Amantes

I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV

Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

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Inglória é a Vida, e Inglório o Conhecê-la

Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.
Quantos, se pensam, não se reconhecem
Os que se conheceram!
A cada hora se muda não só a hora
Mas o que se crê nela, e a vida passa
Entre viver e ser.

Carta a F.

És tu quem me conduz, és tu quem me alumia,
Para mim não desponta a aurora, não é dia,
Se não vejo os dois sóis azuis do teu olhar.
Deixei-te há pouco mais dum mês, – mês secular
E nessa noite imensa, ah, digo-te a verdade,
Iluminou-me sempre o luar da saudade.
E nesses montes nus por onde eu tenho andado,
Trágicos vagalhões dum mar petrificado,
Sempre adiante de mim dentre a aridez selvagem,
Vi como um lírio branco erguer-se a tua imagem.
Nunca te abandonei! Nunca me abandonaste!
És o sol e eu a sombra. És a flor e eu a haste.
Na hora em que parti meu coração deixei-o
Na urna virginal desse divino seio,
E o teu sinto-o eu aqui a bater de mansinho
Dentro em meu peito, como uma rola em seu ninho!

Pois Casei Má Hora

Pois casei má hora, e nela,
e com tal marido, prima…
Comprarei cá üa gamela,
par’ò ter debaixo dela,
e um grão penedo em cima.
Porque vai-se-me às figueiras,
e come verde e maduro;
e quantas uvas penduro
jeita nas gorgomeleiras:
parece negro monturo.

Vai-se-me às ameixieiras,
antes que sejam maduras.
Ele quebra as cereijeiras,
ele vendima as parreiras,
e não sei que faz das uvas.
Ele não vai à lavrada,
ele todo o dia come,
ele toda a noite dorme,
ele não faz nunca nada,
e sempre me diz que há fome!

Jesu! Jesu! Posso-te dizer,
e jurar e tresjurar,
e provar e reprovar,
e andar e revolver,
que é milhor pera beber,
que não pera maridar.
O demo que o fez marido!
Que assi seco como é
beberá a torre da Sé:
então arma um arruído
assi debaixo do pé!…

Calmaria

Nada!
Horas e horas neste ponto morto
Onde caiu agora a minha vida…
Nem um desejo, ao menos!
Só instintos pequenos:
Apetite de cama e de comida!

Nem sequer ler um livro
Ou conversar comigo, discutir…
Nada!
Neutro, morno, a dormir
Com a carne acordada.

Quão Breve Tempo é a Mais Longa Vida

Quão breve tempo é a mais longa vida
E a juventude nela! Ah!, Cloe, Cloe,
Se não amo nem bebo,
Nem sem querer não penso,
Pesa-me a lei inimplorável, dói-me
A hora invicta, o tempo que não cessa,
E aos ouvidos me sobe
Dos juncos o ruído
Na oculta margem onde os lírios frios
Da ínfera leiva crescem, e a corrente
Não sabe onde é o dia,
Sussurro gemebundo.

Que Glória tão Completa

Que glória tão completa não estar nunca
onde ela sobe da multidão. Que glória
é ordem alastrando da estrutura
pela massa de vir a ser a obra
até que ser em si tanto a institua
que ser em si seja uma luz à volta.
E, que glória, perder-nos pela funda
atenção à tarefa, quando a nossa
corporeidade apenumbra
estarmos destruindo alguma sombra.
Então o afinco da paciência a blusa
quase ilumina. E as horas,
na oficina do tempo, ampliam sua
ondeação de se ir perdendo a história.

Os Grandes Indiferentes

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

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Sonho. Não Sei quem Sou

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

O Andaime

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

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Amor

Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!

Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando,
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
Poderosa e plácida.

Amor, tão chão de Amor,
que sensível és…
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!

Acalmas e redobras
e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na branda impotência.

Canseira eterna!
Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas frementes,
tanto grito e pena perdida…
E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti
e tu de nós?

Paz

Aqui foi a casa:
Alva a toalha e o pão,
O berço além.

Breve a canção:
Bater de asa
O sorriso de mãe.

Veloz a hora:
Agora,
Só o coaxar nocturno e certo
Das rãs,
Enche o campo deserto.

Todas as Horas

Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.

Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.

Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas sim acompanhada.

Não são palavras minhas as que eu digo.
À minha boca pertence aos que me amam.

Mudos e sós.
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o Sol:
Brilha todos os dias.

Rosa Rosae

Rosa
e todas as rimas
Rosa
e os perfumes todos
Rosa
no florindo espelho
Rosa
na brancura branca
Rosa
no carmim da hora
Rosa
no brinco e pulseira
Rosa
no deslumbramento
Rosa
no distanciamento
Rosa
no que não foi escrito
Rosa
no que deixou de ser dito
Rosa
pétala a pétala
despetalirosada

Se te Queres Matar

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…

A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,

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Natal

Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absolve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre de Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.

Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que eu Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,

É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura.
Bendita a minha também.

Senhoras, Eu Estou Picado

Senhoras, eu ‘stou picado;
Tenham Vossas Excelências
todas quantas paciências
eu tive no seu chamado;
cuidei que por achacado,
doídas da minha tosse
a meter-me-iam na posse
de uma merenda afamada,
e que achava quando nada
cinco condessas de doce.

Não me enganei, porque alfim
todas vinham cheias grátis
de vanitas vanitatis,
que isto é fofa em latim.
Tomara eu para mim,
por bem ganhada fazenda,
quanta folhage’ estupenda
traziam nas suas rodas,
mas com tal donaire todas
que puxam por muita renda.

Oh! quem pudera cantar
(para bem me vingar dela)
uma que à sua janela
mil vezes vejo Assumar!
Mas obriga-me a calar.
Outra da mesma feição
que é capaz, e com razão,
de prantar-me no focinho,
que farto de S. Martinho
tenho sede a S. João.

Outra branca em demasia
não era tão confiada,
posto que estava enfiada
talvez do que não queria:
mas na flor, na louçania,
na suavidade e na cor,
podia largar o amor
por ela redes e barcos,

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Gosto da Tua Boca

Gosto da tua boca quando sabe
a chocolate, a vinho tinto de Portalegre,
a mar (é sempre a mesma coisa, tem
de aparecer sempre o mar), pensando
bem gosto da tua boca sempre.

Às vezes a tua boca ri e nada sabe,
ri porque prevê a hora certa da minha alegria.
Também eu mergulho no mar, porém
logo secos ficam meus cabelos quando
me lembro que hoje é outra vez dia de S. Nunca.

Adeus!

Adeus! para sempre adeus!
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora
Sinto a justiça dos céus
Esmagar-me a alma que chora.
Choro porque não te amei,
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei,
Mas tu… tu nada perdeste;
Que este mau coração meu
Nos secretos escaninhos
Tem venenos tão daninhos
Que o seu poder só sei eu.

Oh! vai… para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar na peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há-de rasgá-lo ao nascer:
Há-de sim, serás vingada,
E o meu castigo há-de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.

Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,
Que sou eu capaz agora
De te amar – Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal
Deste peito se ateasse
De amor o incêndio fatal!
Mais negro e feio no inferno
Não chameia o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? – Ai, triste!
Não sabes o que pediste.

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Amigo, a que Vieste?

Onde foste ao bater das quatro horas
e, antes, quem eras tu, se eras?
Amigo ou inimigo, posso falar-te agora
sentado à minha frente e com os ombros
vergados ao peso da caneta?
Falo-te sobre a cabeça baixa
e vejo para além de ti, no horizonte,
teus riscos e passadas;
mas não sei onde foste, nem se eras.
Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva,
fazendo gestos largos ou só um leve aceno;
dizes palavras antigas,
de antes das quatro horas,
e nada sei de ti que tu me digas
dessa cabeça surda.
Não te pergunto pela verdade,
que pensas de amanhã ou se já leste Goethe;
sequer se amaste ou amas
misteriosamente
uma mulher, um peixe, uma papoila.
Não quero essa mudez de condolências
a mim, a ti, ou só à terra
que tu e eu pisamos — e comemos.
Pergunto simplesmente se tu eras,
quem eras, e onde foste
depois que se fizeram quatro horas.

Será que não tens olhos? Não tos vejo.
De longe em longe
agitas a cabeça,

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