Poemas sobre Individualidade

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Poemas de individualidade escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Acordar

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas…

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Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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O Escriba Acocorado

Sentado na pedra de ti próprio,
não tens rosto, senão o que,
de anónimo, a ela afeiçoou
a mão que assim te quis. Do resto,
do que de individualidade, porventura,

em ti existiria, se encarregou
a persistente erosão dos dias. De vago,
neutro olhar sem órbitas, permaneces
hirto, fitando sempre mais além
da morna penumbra que te envolve

no halo intemporal que é, do tempo,
o nexo único. Nesse olhar
de não ver tudo se inscreve,
repensa e adivinha: teus limites
e, ainda, o que excederia tua humana

estatura. Sem contornos, em sombra
e sono te diluis no que, de ti,
nunca saberemos. Porém, límpida
e escorreita, até nós chega a laboriosa
escrita que no papiro ias lavrando.