Assim Choram os Deuses
Os deuses desterrados.
Os irmĂŁos de Saturno,
Ăs vezes, no crepĂșsculo
VĂȘm espreitar a vida.VĂȘm entĂŁo ter conosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
à a presença deles,
Deuses que o destronĂĄ-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
LongĂnqua e inativa.VĂȘm, inĂșteis forças,
Solicitar em nĂłs
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mĂŁo,
Como a um bĂȘbedo mole,
A taça da alegria.VĂȘm fazer-nos crer,
Despeitadas ruĂnas
De primitivas forças,
Que o mundo Ă© mais extenso
Que o que se vĂȘ e palpa,
Para que ofendamos
A JĂșpiter e a Apolo.Assim atĂ© Ă beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepĂșsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.E o poente tem cores
Da dor dum deus longĂnquo,
E ouve-se soluçar
Para alĂ©m das esferas…
Assim choram os deuses.
Poemas sobre IrmĂŁos de Ricardo Reis
2 resultadosOs Grandes Indiferentes
Ouvi contar que outrora, quando a PĂ©rsia
Tinha nĂŁo sei qual guerra,
Quando a invasĂŁo ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contĂnuo.Ă sombra de ampla ĂĄrvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversĂĄrio.
Um pĂșcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caĂdos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruĂdo,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distĂąncia prĂłxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,