É Preciso Também não Ter Filosofia Nenhuma
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Poemas sobre Janelas
119 resultadosA Casa Branca Nau Preta
Estou reclinado na poltrona, é tarde, o Verão apagou-se…
Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu cérebro…
Não existe manhã para o meu torpor nesta hora…
Ontem foi um mau sonho que alguém teve por mim…
Há uma interrupção lateral na minha consciência…
Continuam encostadas as portas da janela desta tarde
Apesar de as janelas estarem abertas de par em par…
Sigo sem atenção as minhas sensações sem nexo,
E a personalidade que tenho está entre o corpo e a alma…Quem dera que houvesse
Um terceiro estado pra alma, se ela tiver só dois…
Um quarto estado pra alma, se são três os que ela tem…
A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a sonhar
Dói-me por detrás das costas da minha consciência de sentir…As naus seguiram,
Seguiram viagem não sei em que dia escondido,
E a rota que devem seguir estava escrita nos ritmos,
Os ritmos perdidos das canções mortas do marinheiro de sonho…Árvores paradas da quinta, vistas através da janela,
Árvores estranhas a mim a um ponto inconcebível à consciência de as estar vendo,
Indução
Há em todas as coisas
a marca estranha
da minha presença.Sons, palavras, imagens,
tudo eu desfiguro e torno falso.As pessoas, à minha volta,
deslizam vagamente como sonâmbulos
– fantoches ocos de lenda…Os sons,
se logram atravessar portas e janelas,
partem-se
no lajedo frio dos meus olhos.Vai-se o sol
Onde o meu pensamento das trevas se poisa.Oh! as minhas ilusões de claridade!
Se Me Esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
Poeta Só
Prende-me tua pele
ao perfume dos teus seios
e sinto que o mundo em mim se fechou.Jardins de vida me trazes,
odor de brilho aberto,
em voo de gaivota
rente ao mar.Esse fulvo encontro
me encanta à noite
se à janela
procuro o entrelaçado
da tua memória.Ouço a noite
no céu estelar
cantar a nossa solidão:
o meu coração perdido
em teu olhar,
e o odor da tua pele
por mim espera
para que em ti se levante.
Sempre que Lisboa canta
Lisboa cidade amiga
que és meu berço de embalar
ensina-me uma cantiga
das que tu sabes cantarUma cantiga singela
Daquelas de enfeitiçar
P’ra eu cantar à janela
Quando o meu amor passarSempre que Lisboa canta
Não sei se canta
Não sei se reza
A sua voz com carinho
Canta baixinho
Sua tristezaSempre que Lisboa canta
à gente encanta
Sua beleza
Pois quando Lisboa canta
Canta o fado
com certezaEu quero dar-te um castigo
Por tanto te ter amado
Quero que cantes comigo
Os versos do mesmo fadoQuero que Lisboa guarde
Tantos fados que cantei
Para cantar-me mais tarde
Os fados que lhe ensinei
Pecado Original
Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Hora de Ponta
Apanhar um lugar a esta hora é uma sorte, poder olhar
pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática,
que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor
a hortelã e um ar fresco interrompido pela velha senhora
a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece
de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro
a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente
do homem gordo na minha orelha, com a mão livre
apertada contra o peito, contra o visco da hora apinhada
na minha pele pública, na minha pele de todos.
No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso
doce e cansado, os olhos brilhantes, a candura intacta
toma-me toda como se eu fosse um anjo
descendo à terra com um corpo real para que a minha pele
receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de trabalho,
o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu rosto
cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para
os outros. No teu rosto ã hora de ponta aprendo a compaixão
até sair na próxima paragem com um suspiro de alívio.
Aparência
Cismo, numa tarde, entre esta tarde e a mor-
te, a verdade que nasce na minha carne:Vivemos de beleza, de silêncio e beleza.
Trilhamos uma estrada incerta e traiçoeira,
A estrada perfumada por um crime.Que para nós toda certeza surge, frágil e efé-
mera, como o desenho de um dedo nos vi-
dros embaçados de uma janela durante o
mês inverno.
Rêve Oublié
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de tiAgora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eternaContinuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medoContar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fadaAbrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouroE no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
Poema da Memória
Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
só um espelho com isso se parecia.De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
só tinha olhos para o rio distante,
os olhos do animal embalsamado
mas vivo
na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
onde dois grandes olhos,
grandes e ávidos, fixos e pasmados,
o fitavam sem tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos grandes,
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.E por que não galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Há uma Mulher a Morrer Sentada
Há uma mulher a morrer sentada
Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente
Como cisne que se prepara
Para cantarEla está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentroEla é tão bonita ao relento
InesgotávelÉ tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempoSei que não posso chamá-la das margens
Bilhete
Nada me dês nem peças.
E não meças
O que podias dar e receber.
Fecha a própria riqueza do teu ser.Um de nós era a mais
À lírica janela…
Olharam-se os zagais,
Mas não houve novela.A vida assim o quis,
A vida sem amor.
Não regues a raiz
Do que não teve flor.
Uma Cidade
Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
acesonuma noite
de junho.Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.
Olhos de Lobas
Teus olhos lembram círios
Acesos n’um cemitério…Têm um fulgor estranho singular
Os teus olhos febris… Incendiados!…Como os Clarões Finais… – Exaustinados
Dos restos dos archotes, desdeixados…
— Nas criptas d’um Jazigo Tumular!…— Como a Luz que na Noute Misteriosa
— Fantástica – Fulgisse nas Ogivas
Das Janelas de Estranho Mausoléu!…— Mausoléu, das Saudades do Ideal!…
— Oh Saudades… Oh Luz Transcendental!
— Oh memórias saudosas do Ido ao Céu!…— Oh Pérpetuas Febris!… – Oh Sempre Vivas!…
— Oh Luz do Olhar das Lobas Amorosas!…
quando a ternura for a única regra da manhã
um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.
Lisboa perto e longe
Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa – branca e rota
a blusa de seu povo – essa gaivota.Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas – povo armado
de vento revoltado violas astros
– meu povo que ninguém verá de rastos.Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros – mar aberto
– com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.
Eu Nunca Guardei Rebanhos
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
Lisboa
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
Subidas.
Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles acenavam através das grades.
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados!“Mas aqui”, dizia o revisor e ria baixinho como um afectado
“aqui sentam-se os políticos”. Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e em cima, a uma janela, um homem,
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para além do mar.A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos depois, peguntei a uma dama de Lisboa:
Isto é real, ou fui eu que sonhei ?Tradução por Luís Costa
Mãe
I
Dantes, quando a deixava,
As férias já no fim,
Ela vinha à janela
Despedir-se de mim.Depois, quando na estrada,
Olhava para trás,
Deitava-me ainda a benção
Para que eu fosse em paz.Dali não se movia,
À vidraça encostada,
Até que eu me perdia
Já na curva da estrada.Hoje, se olho, calo-me
E baixo os olhos meus!
Já não vem à janela
Para dizer-me adeus!II
Chove, e a chuva é fria.
Noite! Nos montes distantes
O Inverno principia.
Um Inverno como dantes.Ao redor do lume aceso
Todos ficamos a olhar…
Todos não, não somos todos,
Porque há vazio um lugar.Esse lugar era o dela,
Que ninguém mais preencheu.
Mesmo com vida, na terra,
Era uma estrela no céu.