Poemas sobre Lados

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Poemas de lados escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Quando Ela Fala

Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudeste* eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minha alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.

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Submissão

1.

no topo desta escada
tem um chefe
que te olha.
na curva desta estrada
tem um dono
que me manda.

2.

mais desço quando subo,
a cada passo,
se me movo
para cima e para baixo,
mais volto quando ando,
a cada passo,
para frente e para os lados,
na curva desta estrada,
se me curvo
sem mais nada.

3.

no caminho em que caminho
cruzo os braços
a cada passo
e, mudo, avanço
no caminho sem recuo
que me leva
nesta escada,
nesta estrada
a cada curva que me curva
tão curvada.

4.

a cada passo,
mais tropeço
se começo
nesta dança
sob o peso
desta canga
que já levo
sobre os ombros;
sobre os ombros
já tão curvos
já tão duros
no silêncio em que me escondo.

5.

a cada passo, em cada curva
só te vejo tão curvado,
que dependo da procura procurada
na ida desta volta,

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Retrato de Amigo

Por ti falo. E ninguém sabe. Mas eu digo
meu irmão    minha amêndoa    meu amigo
meu tropel de ternura    minha casa
meu jardim de carência    minha asa.

Por ti morro e ninguém pensa. Mas eu sigo
um caminho de nardos empestados
uma intensa e terrífica ternura
rodeado de cardos por muitíssimos lados.

Meu perfume de tudo    minha essência
meu lume    minha lava    meu labéu
como é possível não chegar ao cume
de tão lavado céu?

Carta de Amor

Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).
Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?

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A Noite É Muito Escura

É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.

Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,
Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?

O Tumulto

O tumulto concentrado da minha imaginação intelectual…
Fazer filhos à razão prática, como os crentes enérgicos…
Minha juventude perpétua
De viver as coisas pelo lado das sensações e não das responsabilidades.
(Álvaro de Campos, nascido no Algarve, educado por um tio-avô, padre,
que lhe instilou um certo amor às coisas clássicas.) (Veio para Lisboa muito novo …)
A capacidade de pensar o que sinto, que me distingue do homem vulgar
Mais do que ele se distingue do macaco.
(Sim, amanhã o homem vulgar talvez me leia e compreenda a substância do meu ser,
Sim, admito-o,
Mas o macaco já hoje sabe ler o homem vulgar e lhe compreende a substância do ser.)

Se alguma coisa foi por que é que não é
Ser não é ser?

As flores do campo da minha infância, não as terei eternamente,
Em outra maneira de ser?
Perderei para sempre os afetos que tive, e até os afetos que pensei ter?
Há algum que tenha a chave da porta do ser, que não tem porta,
E me possa abrir com razões a inteligência do mundo?

O Mundo

O mundo, tal como o entendo,
Não vai além daquilo que o cego
De cor e sombra pode encontrar
Na escuridão que é a sua sina;
Este mundo, imenso e luzente,
O qual nós viemos herdar
Com um orgulho inconsciente,
Vale tanto quanto as nossas rimas
E haveres, sua lama dourada —
Nada, é o mais que dele vou falar
E aqui, no leito do nada,
Para o outro lado vou-me voltar.

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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Grandes São os Desertos, e Tudo é Deserto

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,

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Nostalgia do Presente

Naquele preciso momento o homem disse:
«O que eu daria pela felicidade
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto.»
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Isto anda tudo ligado

Ainda não vi ainda não
a impressionante mariposa
a pretendente pesarosa
a tarde morna e vagarosa
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o riso que tudo desvenda
o reverendo e a reverenda
o leão ferido e a sua senda
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começará

Quando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
as artimanhas da saudade
a caravana na cidade
a incorruptibilidade
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o abraço à porta da taberna
a ideológica lanterna
a mão que avança para a perna
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começará

Quando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
a grossa lágrima ao espelho
o grande chefe e o seu grupelho
o azul-turquesa e o vermelho
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá

Mesa dos Sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida

Farto de voar

Farto de voar
Pouso as palavras no chão
Entro no mar
Sinto o sal de mão em mão
Tenho um barco na vida espetado
Só suspenso por fios dum lado
E do outro a cair
a cair
no arpão
no arpão

Levo a dormir
Sonhos que andei para trás
Ergo o porvir
Trago nos bolsos a paz
Tenho um corpo na morte espetado
Só suspenso por balas de um lado
E do outro a escapar
a escapar
de raspão
de raspão

Ponho a girar
Cantos que ninguém encerra
De par em par
Abro as janelas para a terra
Tenho um quarto na fome espetado
Só suspenso por água de um lado
E de outro a cair
a cair
no alçapão
no alçapão

Farto de voar
Pouso as palavras no chão
Entro no mar
Sinto o sal de mão em mão
Tenho um barco na vida espetado
Só suspenso por fios dum lado
E do outro a cair
a cair
no arpão
no arpão

Funchal

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.

Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento do mar. Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes, segundo uma antiga receita da Atlântida, pequenas explosões de alho.

O óleo flui sobre as rodelas do tomate. Cada dentada diz que o oceano nos quer bem, um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso, horas em que também de pouco ou nada servíamos ( por exemplo, quando esperávamos na bicha para doar o sangue saudável – ele tinha prescrito uma transfusão). Acontecimentos, que nos podiam ter separado, se não nos tivéssemos unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!

Eles tornaram-se pedras, pedras claras e escuras, pedras de um mosaico desordenado.

E agora aconteceu: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.

Ele espera por nós. Do cimo da parede,

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Algures

Armei a boiz, a derradeira porta,
flexível, a favor do vento.
Pousado na noite
descobri o teu rasto.
Uma vida não basta
para termos um rosto
e levá-lo, sem morte,
ao lado encontrado
num embrulho de dedos.

Corta o barbante,
e segura no corpo
até que ele morra.

Apresentação

Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!

Reduze a pó
a memória dos homens,

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Súplica

Mortos que em certas horas me falais
Com a vossa mudez ou murmúrios subtis,
Dizei: Custa muito morrer?
Há lá, por esse mundo, uma outra vida,
Que valha a pena viver?

Mortos que em certas horas me tocais
Com a vossa mão fria,
Dizei-me: Com a morte tudo acaba,
Ou, como se nascêssemos de novo,
Um novo mundo principia?

Nada sei.
Sou inexperiente da morte,
Pois não morri ainda.
Queria saber e desvendar
Se com a morte que tomba
Alguma coisa começa,
Ou, se pelo contrário, tudo finda.

Esses que amei, com quem vivi, felizes,
Num mundo de amarguras povoado,
De novo, poderei tornar a vê-los,
Felizes ao meu lado?

Ilusões, quem as criou,
É um benfeitor
Que merece guarida!
Dai-me a ilusão, todos vós que morrestes,
De uma outra vida melhor
Para além desta vida.

Câmara Escura

A meu pai

3

A biografia. Revejo-a em tecidos
fibrosos, retraindo-se. É já visível
a anquilose o vento austero
disperso pelos gestos, mais lentos

e difíceis. A migração das aves
inicia-se. Junto à costa
atlântica, falava-me do tempo, a viração
nefasta, o nevoeiro

poroso, sobre os ossos. Era o período
de estado: rajadas cubitais, golpes
de vento, as migrações da dor, articulares…
As metáforas clínicas. Procura,

apesar disso, algum sossego. Invoca ainda
o elemento natal, o livro prematuro
do inverno. E a dureza da neve,
os domínios do gelo, imprevisíveis.

Com as chuvas de abril, a migração
atinge órgãos vitais. A violência
perdida pelos móveis, nas janelas
translúcidas, no rumo vagaroso

da voz. Vigia os gestos, os indícios de
pânico, a previsível eclosão
da crise. Deformações, desvio dos
dedos no lado cubital, arthritis

– o peso das noções.
Endurecem os sons, as linhas vistas
até ao declínio, o vento imóvel
semeado nos campos. Todo o regresso

persiste na matéria: os vários
motores de frio,

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