Poema de Amor
Se te pedirem, amor, se te pedirem
que contes a velha histĂłria
da nau que partiu
e se perdeu,
nĂŁo contes, amor, nĂŁo contes
que o mar Ă©s tu
e a nau sou eu.E se pedirem, amor, e se pedirem
que contes a velha fábula
do lobo que matou o cordeiro
e lhe roeu as entranhas,
nĂŁo contes, amor, nĂŁo contes
que o lobo Ă© a minha carne
e o cordeiro a minha estrela
que sempre tu conheceste
e te guiou — mal ou bem.Depois, sabes, estou enjoado
desta farsa.
Histórias, fábulas, amores
tudo me corre os ouvidos
a fugir.Sou o guerreiro sem forças
para erguer a sua espada,
sou o piloto do barco
que a tempestade afundou.NĂŁo contes, amor, nĂŁo contes
que eu tenho a alma sem luz.…Quero-me sĂł, a sofrer e arrastar
a minha cruz.
Poemas sobre Lobos
11 resultadosEsparsa
Não vejo o rosto a ninguém,
cuidais que sou, e nĂŁo sou.
Sombras que nĂŁo vĂŁo nem vĂŞm,
parece que avante vĂŁo.
Entre o doente e o sĂŁo
mente cada passo a espia;
no meio do claro dia
andais entre lobo e cĂŁo.
Pedra no charco
Caiu uma pedra no charco,
caiu um penedo no rio,
caiu mais um cabo da boa esperança no mar,
p’rá gente se agarrar.Deixámos de ver as nuvens
que nos tapavam o céu,
pudemos sentir de perto a meiguice do tempo
onde a gente se escondeu.É que hoje
nasceu mais um dia.
É que hoje
nasceu mais alguém.
É que hoje
nasceu um poeta na serra com a estrela da manhĂŁ.Foi quando os lobos uivaram,
foi quando o lince miou,
as ovelhas nĂŁo tinham fome
e a alcateia repousou.E entre os uivos e os miados
o poeta abriu o choro.
E entre os vales e os cabeços,
cavalgando uma alcateia
o poema deslizou.
Esta Noite Morrerás
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
Ă© a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo Ănscio
e na casa do tempo a hora Ă© adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca
o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo
apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome.
Constante.
O mar Ă© isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
O mar Ă© tu morreste.
O mar Ă© ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu par-
tiste e no meu leito crescem folhas sangue.
A febre Ă© uma pira incompreensĂvel como a aparição da lua
e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausĂŞncia Ă© um
prisma,
O Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulĂcio, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifĂcios, com as chaminĂ©s, e a turba
Toldam-se duma cor monĂłtona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, paĂses:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetĂŁo ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, entĂŁo, as crĂłnicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu nĂŁo verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
Utopia
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
Afaga a cantaria
Cidade do homem
NĂŁo do lobo mas irmĂŁo
Capital da alegriaBraço que dormes
Nos braços do rio
Toma o fruto da terra
E teu a ti o deves
Lança o teu
DesafioHomem que olhas nos olhos
Que nĂŁo negas
O sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
O nada disto custa
Será que existe
Lá para as margens do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
Na minha rota?
A Parte InvisĂvel do VisĂvel
A parte invisĂvel do visĂvel.
De resto conhecer mais o quĂŞ?
O Manifesto do InvisĂvel.
Os lobos são a cabeça do anjo que não se vê.
Sangue no Focinho e Cobardia.
GRITO
De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixĂŁo
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a cĂ´ncava do medo
Ă hora entre cĂŁo e lobo
Ă hora entre lobo e cĂŁo.De ti que em cada ano
cada dia cada mĂŞs
nĂŁo paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
Ă ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmĂŁo.De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lĂrico tropel
das águas e do vento.De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abĂłboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.
Anoitece na Aldeia
Anoitece na aldeia
e numa animação de fábula
as pessoas recolhem às casas.Das chaminés, pelos telhados
o fumo já faz parte da noite.O amarelo das janelas
pontilha o preto.O vento perdeu-se no bosque
e as crianças, nos cobertores
usufruem do medo.Pelas imediações da aldeia
os lobos aproximam-se da realidade.
Soneto de Natal
«E o terceiro Anjo derramou a sua taça nos rios
e nas fontes, ficando a água da cor do sangue.»
Apocalipse, 16:4NĂŁo anuncio a paz, mas sim a guerra.
Um. Anjo vingador comigo vem.
Há dois milénios que percorro a Terra
repetindo a mensagem de Belém.O coração humano endureceu
à força de sentir a Fé perdida.
E o espĂrito do Bem? Ensurdeceu
no furacão das ambições da vida.Por isso trago um Anjo vingador
para ferir de morte a semelhança
do lobo disfarçado de cordeiro:— Que se cuide quem não sentir Amor
pois matará em si essa criança
inocente que um dia foi primeiro.
As Causas
Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De AdĂŁo. O ordenado ParaĂso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inĂşmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estĂłicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestĂgios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bĂşssola incessante. O mar aberto.
O eco do relĂłgio na memĂłria.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.