Poemas sobre Lugares de LuĂ­s Filipe Castro Mendes

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Poemas de lugares de LuĂ­s Filipe Castro Mendes. Leia este e outros poemas de LuĂ­s Filipe Castro Mendes em Poetris.

Sonho

Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Num poço ou num cristal me debrucei.
Só no teu rosto a morte me alcançava.

De quem a morte, por terror de mim?
De quem o infinito que faltava?
Numa casa de vidro vi meu fim.
Numa casa de vidro me esperavas.

Numa casa de vidro as persianas
desciam lentamente e em seu lugar
a noite abria o escuro das entranhas
e o teu rosto morria devagar.

Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Fiz do teu corpo sonho e nĂŁo olhei
nas palavras a morte que guardavas.

Descemos devagar as persianas,
deixámos que o amor nos corroesse
o Ă­ntimo da casa e as estranhas
cerimĂłnias do dia que adoece.

Numa casa de vidro. Num espelho.
Na memĂłria, por vezes amargura,
por vezes riso falso de tĂŁo velho,
cantar da sombra sobre a selva escura.

Numa casa de vidro te sonhei.
No vazio dessa casa me esperavas.

Porque Ă© TĂŁo Ansiosamente que Espero por Ti?

Porque Ă© tĂŁo ansiosamente que espero por ti?
Sabias ocultar entre os teus menores movimentos
a lembrança de um corpo e de um ardor sem música
nem esquecimento possĂ­vel. Quantas cidades
atravessámos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto»,
quanto alimento para os cĂŁes da memĂłria! Deixa-os,
consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias
a música, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te,
regressa. NĂłs nunca acordamos conformes,
nenhuma cifra nos devolverá o número mágico,
vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas
fĂłrmulas antigas. Da nossa idade
guardámos alguns emblemas, alguns maneirismos.
Acredita-me: Ă© o momento de nos abandonarmos
à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos
um inquietante rosnido entre as frestas do muro.
Regressemos, não há Ítaca possível, os corpos desfizemo-los
na mesma erosão do seu mágico movimento.
Porque Ă© tĂŁo ansiosamente que espero por ti
se nenhuma luz mais cabe no terror de mim?

Como o Coração

Tudo o que dizemos e fazemos
passa por esses momentos violentos do corpo,
onde os desejos vĂŞm beber como os animais cansados
chegam aos grandes rios originários das nossas fundações.
Que memĂłria consentir entĂŁo aos corpos,
que lugar deserto às paixões, que curso
ao nosso descer o rio?

Tu nĂŁo me respondes. Entramos no mais fundo
da pedra, no tĂşmulo preterido, espĂłlio
de um deus acossado, eu estrangeiro, eu esquecido.
Tu ocultas o coração, voltas-te de perfil
para as dunas, a pedra, pedra.
NĂŁo me respondes.

Como o coração, dizes.