Poemas sobre Mãos de José Régio

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Poemas de mãos de José Régio. Leia este e outros poemas de José Régio em Poetris.

O Amor e a Morte

Canção cruel

Corpo de ânsia.
Eu sonhei que te prostrava,
E te enleava
Aos meus mĂşsculos!

Olhos de ĂŞxtase,
Eu sonhei que em vĂłs bebia
Melancolia
De há séculos!

Boca sĂ´frega,
Rosa brava
Eu sonhei que te esfolhava
Pétala a pétala!

Seios rĂ­gidos,
Eu sonhei que vos mordia
Até que sentia
VĂłmitos!

Ventre de mármore,
Eu sonhei que te sugava,
E esgotava
Como a um cálice!

Pernas de estátua,
Eu sonhei que vos abria,
Na fantasia,
Como pĂłrticos!

PĂ©s de sĂ­lfide,
Eu sonhei que vos queimava
Na lava
Destas mãos ávidas!

Corpo de ânsia,
Flor de volĂşpia sem lei!
NĂŁo te apagues, sonho! mata-me
Como eu sonhei.

Poema do SilĂŞncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angĂşstia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvĂŁo, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
– Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo…

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raĂ­zes banalĂ­ssimas de egoĂ­smo.

Que sĂł por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tĂŁo humano!

Senhor meu Deus em que nĂŁo creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

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Natal

Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
NĂłs, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!

Cada vez o teu Reino Ă© menos deste mundo!
Mas vimos, com as mĂŁos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.

Os que Ă  chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.

Ă€ tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo Ă© que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.

Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infane.

Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.

Os que em leilĂŁo a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.

Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,

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Litania do Natal

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mĂŁos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que entĂŁo me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.