Poema de Amor
Se te pedirem, amor, se te pedirem
que contes a velha histĂłria
da nau que partiu
e se perdeu,
nĂŁo contes, amor, nĂŁo contes
que o mar Ă©s tu
e a nau sou eu.E se pedirem, amor, e se pedirem
que contes a velha fábula
do lobo que matou o cordeiro
e lhe roeu as entranhas,
nĂŁo contes, amor, nĂŁo contes
que o lobo Ă© a minha carne
e o cordeiro a minha estrela
que sempre tu conheceste
e te guiou — mal ou bem.Depois, sabes, estou enjoado
desta farsa.
Histórias, fábulas, amores
tudo me corre os ouvidos
a fugir.Sou o guerreiro sem forças
para erguer a sua espada,
sou o piloto do barco
que a tempestade afundou.NĂŁo contes, amor, nĂŁo contes
que eu tenho a alma sem luz.…Quero-me sĂł, a sofrer e arrastar
a minha cruz.
Poemas sobre Mar de Fernando Namora
7 resultadosPelicano
Onda que vais morrendo em nova onda,
mar que vais morrendo noutro mar,
assim a minha vida se desprenda e do meu sumo
escorra a vida para as bocas que se finam
de desejar.Ă“ dia que vais escoando como os rios
e empalideces rostos e cabelos,
traze a palavra para a incerteza
dos que vagueiam Ă deriva;
a bandeira amarela se rasgue
e dos farrapos se gere outra cor.Ă“ dia correndo e findando,
some-te lá no cimo da fraga
mas deixa que no teu rasto fique o sangue
anunciando a esperança noutro dia.Sê como a onda que morre para outra começar.
Terra – 7
Onde ficava o mundo?
SĂł pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava um outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina Ă© uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.
Por Todos os Caminhos do Mundo
A minha poesia Ă© assim como uma vida que vagueia
pelo mundo,por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relĂłgio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mĂŁo o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.Na minha vida nem sempre a bĂşssola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre Ă© dia,
com a minha noite que nem sempre Ă© noite
como a alma quer.NĂŁo sei caminhos de cor.
Pergunta
Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mĂŁos
para a derramar em afagos
por mim?Quem ouviu a angĂşstia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pĂŁo negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?
Todos os Caminhos me Servem
Todos os caminhos me servem.
Em todos serei o Ă©brio
cabeceando nas esquinas.
Uma rua deserta e o hálito
das pessoas que se escondem,
uma rua deserta e um rafeiro
por companheiro.Ă“ mar que me sacode os cabelos
que mulher alguma beijou,
lágrimas que os meus olhos vertem
no suor dos lagares,
que uma onda vos misture
e vos leve a morrer
numa praia ignorada.
Balada de Sempre
Espero a tua vinda
a tua vinda,
em dia de lua cheia.Debruço-me sobre a noite
a ver a lua a crescer, a crescer…Espero o momento da chegada
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas…Rasgarás nuvens de ruas densas,
Alagarás vielas de bêbados transformadores.
Saltarás ribeiros, mares, relevos…
– A tua alma nĂŁo morre
aos medos e Ă s sombras!-Mas…,
Enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar,
aà além,
sempre duvidoso,
desenha interrogações na areia molhada…