Poemas sobre Mortos de Mário Faustino

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Poemas de mortos de Mário Faustino. Leia este e outros poemas de Mário Faustino em Poetris.

Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjectivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do perĂ­odo, talvez verso,
talvez interjectivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em lĂ­ngua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajectĂłrias.
Vida toda linguagem —
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra
[a chuva,
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
Ă  vida que Ă© perfeita
lĂ­ngua
eterna.

Alma que Foste Minha

Alma que foste minha,
desprendida de meu corpo e de meu espĂ­rito,
leque de palma sem raĂ­zes, sem tormentas,
que género esta noite te distingue,
que metro te organiza, por que dogmas,
que signos te orientam — rumo a quê?

— Mestre, qual é o sexo das almas?

Desmarcada e sem cordas
alma que foste minha
sem cravos e sem espinhos
que trigo milenar te mata a fome
divina
que pirâmide encerra tua essência
nudĂ­ssima
que corpo te defende de ti mesma
do espaço
que idade, quantas eras, contra o tempo
alma anárquica
desmarcada e sem cravos
sem precisĂŁo de estar
ou de ficar
— Que te vale Bizâncio?
ou de mudar
ou de fazer, ou de ostentar
— Que te vale este verso?
apoética, absurda
como chamar-te alma, de quĂŞ, quando,
para quĂŞ, alma de morto, para onde?