Poemas sobre Mundo de Fernando Pessoa

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Poemas de mundo de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Sou o fantasma de um rei

Sou o fantasma de um rei
Que sem cessar percorre
As salas de um palácio abandonado…
Minha história não sei…
Longe em mim, fumo de eu pensá-la, morre
A ideia de que tive algum passado…

Eu não sei o que sou.
Não sei se sou o sonho
Que alguém do outro mundo esteja tendo…
Creio talvez que estou
Sendo um perfil casual de rei tristonho
Numa história que um deus está relendo…

Da Minha Idéia do Mundo

Da minha idéia do mundo
Caí…
Vácuo além do profundo,
Sem ter Eu nem Ali…

Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser…
Escada absoluta sem degraus…
Visão que se não pode ver…

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma…
Clarão do Desconhecido…
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido…

Guia-me a Só a Razão

Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.

Tivesse quem criou
O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.

Deu-me olhos para ver.
Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
«Cego, fora eu bendito» ?

Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão —
Olhar de conhecer.

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.

Não sei o quê desgosta

Não sei o quê desgosta
A minha alma doente.
Uma dor suposta
Dói-me realmente.

Como um barco absorto
Em se naufragar
À vista do porto
E num calmo mar,

Por meu ser me afundo,
Pra longe da vista
Durmo o incerto mundo.

Mensagem – Mar Português

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,

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É Brando o Dia, Brando o Vento

É brando o dia, brando o vento
É brando o sol e brando o céu.
Assim fosse meu pensamento!
Assim fosse eu, assim fosse eu!

Mas entre mim e as brandas glórias
Deste céu limpo e este ar sem mim
Intervêm sonhos e memórias…
Ser eu assim ser eu assim!

Ah, o mundo é quanto nós trazemos.
Existe tudo porque existo.
Há porque vemos.
E tudo é isto, tudo é isto!

O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Cansa Sentir Quando se Pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo –
Ah, nada é isto, nada é assim!)

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…

Abismo

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando —
O que é sério, e correr?
O que é está-lo eu a ver?

Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco —
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo — eu e o mundo em redor —
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus…

E súbito encontro Deus.

Bate a Luz no Cimo…

Bate a luz no cimo
Da montanha, vê…
Sem querer eu cismo
Mas não sei em quê….

Não sei que perdi
Ou que não achei…
Vida que vivi,
Que mal eu a amei !…

Hoje quero tanto
Que o não posso ter,
De manhã há o pranto
E ao anoitecer…

Tomara eu ter jeito
Para ser feliz…
Como o mundo é estreito,
E o pouco que eu quis !

Vai morrendo a luz
No alto da montanha…
Como um rio a flux
A minha alma banha,

Mas não me acarinha,
Não me acalma nada…
Pobre criancinha
Perdida na estrada !…

Brilha uma Voz na Noute…

Brilha uma voz na noute
De dentro de Fora ouvi-a…
Ó Universo, eu sou-te…
Oh, o horror da alegria
Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz:Ó mundo,
Sermente em ti eu sou-me…
Mero eco demim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.

Natal na Província

Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!