Poemas sobre Mundo

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Poemas de mundo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

(…)

Enlevo

Não brilha o sol,
Nem póde a lua
Brilhar na sua
Presença d’ella!..
Nenhuma estrella
Brilha deante
Da minha amante,
Da minha amada!

A madrugada
Quanto não perde!
O campo verde
Quanto esmorece!
Quanto parece
A voz da ave
Menos suave
Que a sua falla!

A flôr exhala
Menos perfume
Do que é costume
O seu cabello!
Que basta vêl-o,
Prende-se a gente!
Prende-se e sente
Gosto ineffavel!

Que riso affavel
Aquelle riso!
Que paraíso
Aquella bôca!
Penetra, toca,
Enche de inveja
Um ar que seja
Da sua graça!

Onde ella passa,
Onde ella chega,
Quem lhe não prega
Olhos avaros!
Ha dotes raros,
Rara doçura
N’aquella pura
Casta existencia!

Oh! que innocencia
Que ella respira!
A alma aspira
Não sei que aroma
Mal nos assoma
Ao longe aquella
Pallida estrella,
Que rege o mundo!…

Nunca do fundo
Do oceano
Foi braço humano
Colher tão linda
Perola ainda,

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Se Me Deixares, Eu Digo

Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente;
E, n’este mundo de enganos,
Falla verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca
Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece os teus beijos;
Mas, tem cuidado commigo,
Não procures ser ausente:
– Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente.

Ter Certeza é não Estar Vendo

Primeiro prenúncio de trovoada de depois de amanhã.
As primeiras nuvens, brancas, pairam baixas no céu mortiço,
Da trovoada de depois de amanhã?
Tenho a certeza, mas a certeza é mentira.
Ter certeza é não estar vendo.
Depois de amanhã não há.
O que há é isto:
Um céu de azul, um pouco baço, umas nuvens brancas no horizonte,
Com um retoque de sujo embaixo como se viesse negro depois.
Isto é o que hoje é,
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo.
Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido.
Bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo.
O mundo será diferente —
Haverá eu a menos —
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada.

Nas Trevas

Como estou só no mundo! Como tudo
É lagrima e silencio!

Ó tristêsa das Cousas, quando é noite
Na terra e em nosso espirito!… Tristêsa
Que se anuncia em vultos de arvoredos,
Em rochas diluidas na penumbra
E soluços de vento perpassando
Na tenebrosa lividez do céu…

Ó tristêsa das Cousas! Noite morta!
Pavor! Desolação! Escura noite!
Phantastica Paisagem,
Desde o soturno espaço á fria terra
Toda vestida em sombra de amargura!

Êrma noite fechada! Nem um leve
Riso vago de estrela se adivinha…
Sómente as grossas lagrimas da chuva
Escorrem pela face do Silencio…

Piedade, noite negra! Não me beijes
Com esses labios mortos de Phantasma!

Ó Sol, vem alumiar a minha dôr
Que, perdida na sombra, se dilata
E mais profundamente se enraiza
Nesta carne a sangrar que é a minha alma!

Ilumina-te, ó Noite! Ó Vento, cála-te!
Negras nuvens do sul, limpae os olhos,
Desanuviae a bronzea face morta!

Oh, mas que noite amarga, toda cheia
Do teu Phantasma angelico e divino;
Espirito que,

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Mudo, Mundo

Como será que os pássaros que vivem no alto mar
dormem? e como será
que o sono demora
no corpo das mulheres
e pode se ajeitar
entre o ventre e a virilha
e como será que a música
que é gravada
permanece no silêncio anos?
e como será que os seios
ignoram o resto do corpo
e vivem a mesma vida
do resto do corpo, enfeite,
punhal, precisa beleza
na morte da madrugada
onde o corpo não dorme
e como será que o cavalo negro
acolhe a presença da lua
na límpida noite
e, ao chegar da manhã,
acolhe a presença da moça
nua que será reflectida
nos seus olhos
maior que a manhã
e como será que a manhã
acolhe em seu puro ventre
os seus irmãos rios?
e como será que a terra
sabe guardar silêncio sobre a morte
e como será que as cobras
se encontram nas florestas
e como será que o homem vive
sem abraçar o dia
e o viandante — irmão do dia?

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Hoje enquanto tiver dinheiro
beberei
Depois
entregarei ao garçom
meu relógio de pulso
meus carpins de nylon
meus óculos de tartaruga (que nome bonito)
minha caneta tinteiro
e continuarei bebendo
bebendo
sem literatura
sem poema
sem nada.
Só.
Como se o mundo começasse agora.
Estou nesses conscientes estados de alma
em que não posso me salvar
e nem salvá-la.

Epilogo

Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vae-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara…
Meu coração, vamos sonhar…
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou massado…
Não batas mais! vamos morrer…
Bati á porta da Ventura
Ninguem m’à abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!
Que a ambos nós vaes digerir…
Meu coração, a Velha chama,
Meu coração, a Velha chama…
Basta, por Deus! vamos dormir…

O Meu Cachimbo

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n’um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama…

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d’Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes… choro.

Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?

Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»…
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me d’elles.

Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites,

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Uma Beleza Dificílima

O silêncio
abre
o coração das sombras.
Por tal sossego, as árvores
caminham. Mas são as mulheres quem lhes assegura
a elegância do porte.

A harmonia vem do peso da luz
sob a cabeça. Das mãos em arco: os ramos seguram.
Altas são as folhas. Simples.
Lisa a copa.

Não há rumor na terra.
As feras não nasceram ainda. Apenas os peixes.
Fora de água
respiram.

Sim.
O mundo pode ser belo,
apesar de só.

Basta-lhe o fulgor no mais escalvado da noite
e meninos esbeltos e
gelados no sol.
E uma beleza dificílima. E um cauteloso
azul nas garças abatidas pelo céu.
E um primeiro espanto,
uma primeira alegria nas fendas
em direcção
ao pó.

Seria o Amor Português

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta…»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,

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Taciturno

Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais –
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d’Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.

Heraldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Bazilicas de tédio, arnezes de crispado,
Insignias de Ilusão, troféus de jaspe e Outubro…

A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou – embalde a tentarão descer…
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer –
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido…

Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trôno a espessas densidades,
Onde os pânos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redór, ansias lassas, absortas…

Ha rôxos fins de Imperio em meu renunciar –
Caprichos de setim do meu desdem Astral…
Ha exéquias de herois na minha dôr feudal –
E os meus remorsos são terraços sobre o Mar…

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Hino da Manhã

Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda esperam, luz immaculada!

Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais quero
A noite negra, irmã do desespero,
A noite solitaria, immovel, densa,

O vacuo mudo, onde astro não palpita,
Nem ave canta, nem susurra o vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal… a luz bemdita!

Porque a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer…

Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como quem está já morto…

E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto, placido e divino…

Porque a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,

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A Palavra Mágica

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

O Prazer é Silencioso

Ao contrário da ideia assente
A palavra não é criadora de um mundo;
O homem fala como o cão ladra
Para exprimir raiva, ou medo.

O prazer é silencioso,
Tal como o é o estado de felicidade.

A Torpe Sociedade onde Nasci

I

Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II

Que feliz eu era então e que alegria…
Que loucura a brincar, santo delírio!…
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p’ra o martírio!

III

Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz…

IV

E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V

Tuberculoso!… Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte…