ConfissĂŁo
Meus lĂĄbios, meus olhos (a flor e o veludo…)
Minha ideia turva, minha voz sonora,
Meu corpo vestido, meu sonho desnudo…
Senhor confessor! Sabeis tudo â tudo!
Quanto o vulgo, ingénuo, ao saudar-me, ignora!Sabeis que em meus beijos a fome dormira
Antes que da orgia a fĂ© despertasse…
Sabeis que sem oiro o mundo Ă© mentira
E, como do fruto que Deus proibira,
Um luar tombou, manchando-me a face.PĂĄssaro, cativo da noite infinita!
Ăguia de asa inĂștil, pela noite presa!
Ă cruz dos poetas! Ăł noite infinita!
Ă palavra eterna! minha Ășnica escrita!
Beleza! Beleza! Beleza! Beleza!Eis as minhas mĂŁos! Quem pode prendĂȘ-las?
SĂŁo frĂĄgeis, mas nelas hĂĄ dedos inteiros.
Senhor confessor! Quem nĂŁo conta estrelas?
Meus dedos, um dia, contaram estrelas…
Quem conta as estrelas nĂŁo conta dinheiros!
Poemas sobre Mundo de Pedro Homem de Melo
7 resultadosEternidade
A minha eternidade neste mundo
Sejam vinte anos sĂł, depois da morte!
O vento, eles passados, que, enfim, corte
A flor que no jardim plantei tĂŁo fundo.As minhas cartas leia-as quem quiser!
Torne-se pĂșblico o meu pensamento!
E a terra a que chamei â minha mulher â
A outros dĂȘ seu lĂĄbio sumarento!A outros abra as fontes do prazer
E teça o leito em pétalas e lume!
A outros dĂȘ seus frutos a comer
E em cada noite a outros dĂȘ perfume!O globo tem dois pĂłlos: Ontem e hoje.
Dizemos sĂł: â Meu pai! ou sĂł:â Meu filho!
O resto Ă© baile que nĂŁo deixa trilho.
Rosto sem carne; fixidez que foge.Venham beijar-me a campa os que me beijam
Agora, frĂĄgeis, frĂvolos e humanos!
Os que me virem, morto, ainda me vejam
Depois da morte, vivo, ainda vinte anos!Nuvem subindo, anis que se evapora…
Assim um dia passe a minha vida!
Mas, antes, que uma lĂĄgrima sentida
Traga a certeza de que alguém me chora!Adro!
Juventude
Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia,
Felizes, ambos, Ăamos nadar
E em nossa boca a espuma persistia
Em dar ao Sol o nome do Luar?Tudo era fĂĄcil, melodioso e longo.
Aqui e alĂ©m, um sĂșbito ditongo
Ecoava em nós certa canção pagã.Contudo o azul do mar não tinha fundo
E o mundo continuava a ser o mundo
Banhado pela aragem da manhĂŁ!…
InocĂȘncia
De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
LĂmpido, nu, intacto, sem defesa…
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!Se traz os lĂĄbios hĂșmidos e lassos
Ă que a paixĂŁo sem mĂĄcula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.Acre perfume o dessa flor agreste.
Ălcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho…Em frente hĂĄ um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguĂ©m passa… Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!
Dinheiro
Quem quiser ter filhos que doire primeiro
A jarra onde, inteira, caiba alguma flor!
Ai dos que tĂȘm filhos, mas nĂŁo tĂȘm herdeiro!
â Dinheiro! Dinheiro!
à canção de Amor!As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos.
Os amantes sonham… Sonho passageiro!
MĂșsica de estrelas: Ătica de enganos;
IlusÔes, perdidas depois dos vinte anos..
E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!Teus pais, teus irmĂŁos e tua mulher
CercarĂŁo teu leito de herĂłi derradeiro
(Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!)
E hĂŁo-de ali pedir-te o que o mundo quer:
â Dinheiro! Dinheiro!Deixa-lhes os versos que um dia fizeste,
Amarrado ao lodo, porém verdadeiro.
E eles te dirĂŁo: â PĂĄssaro celeste,
Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!à canção de amor!
Dinheiro! Dinheiro!
Os Amigos Infelizes
Andamos nus, apenas revestidos
Da mĂșsica inocente dos sentidos.Como nuvens ou pĂĄssaros passamos
Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos.No entanto, em nĂłs, o canto Ă© quase mudo.
Nada pedimos. Recusamos tudo.Nunca para vingar as prĂłprias dores
Tiramos sangue ao mundo ou vida Ă s flores.E a noite chega! Ao longe, morre o dia…
A PĂĄtria Ă© o CĂ©u. E o CĂ©u, a Poesia…E hĂĄ mĂŁos que vĂȘm poisar em nossos ombros
E somos o silĂȘncio dos escombros.Ă meus irmĂŁos! em todos os paĂses,
Rezai pelos amigos infelizes!
Aleluia
Era a mulher â a mulher nua e bela,
Sem a impostura inĂștil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela…
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bĂblicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo â a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher â a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo…
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nĂłs, homens, o direito Ă vida!