Poemas sobre MĂșsica de LuĂ­s Filipe Castro Mendes

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Poemas de mĂșsica de LuĂ­s Filipe Castro Mendes. Leia este e outros poemas de LuĂ­s Filipe Castro Mendes em Poetris.

Porque Ă© TĂŁo Ansiosamente que Espero por Ti?

Porque Ă© tĂŁo ansiosamente que espero por ti?
Sabias ocultar entre os teus menores movimentos
a lembrança de um corpo e de um ardor sem mĂșsica
nem esquecimento possĂ­vel. Quantas cidades
atravessåmos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto»,
quanto alimento para os cĂŁes da memĂłria! Deixa-os,
consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias
a mĂșsica, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te,
regressa. NĂłs nunca acordamos conformes,
nenhuma cifra nos devolverĂĄ o nĂșmero mĂĄgico,
vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas
fĂłrmulas antigas. Da nossa idade
guardĂĄmos alguns emblemas, alguns maneirismos.
Acredita-me: Ă© o momento de nos abandonarmos
à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos
um inquietante rosnido entre as frestas do muro.
Regressemos, não há Ítaca possível, os corpos desfizemo-los
na mesma erosĂŁo do seu mĂĄgico movimento.
Porque Ă© tĂŁo ansiosamente que espero por ti
se nenhuma luz mais cabe no terror de mim?

De MemĂłria

Nunca te surpreendeu o sorriso estĂĄtico
das imagens antigas? Alguma coisa aqui
tivemos de perder. Percorro dias e corpos na memĂłria,
mas o que procuro mais Ă© nĂŁo te ver.

Quem ama quem? As mĂĄscaras trocaram-se
e a tua voz ressoa neste palco.
Trouxe versos e mĂșsica para te dar,
mas o rosto que tivemos jĂĄ partiu;
fiquei eu sĂł, Ă  beira da memĂłria,
ĂĄgua do mar que nĂŁo serve para beber.

Porque esta foi a paixĂŁo, o grande acto,
a tĂ­mida paixĂŁo de asas de chumbo.
Eu vi-te muitas vezes frente ao mar,
mas quem de nĂłs para acender a cinza?
– ronda-nos a ave de presa despojada
sobre os malefĂ­cios. AliĂĄs, coisas passadas.

NĂŁo te surpreendeu? O amor
surpreende – nĂŁo convĂ©m, desarruma.
E nunca se ama ao certo quem se ama.
Procuramos apenas um brilho,
um brilho muito intenso no olhar,
um brilho que nĂŁo vamos definir
e que algum dia iremos renegar.

Como um Adeus PortuguĂȘs

Meu amor, desaparecido no sono como sonho de outro sonho,
meu amor, perdido na mĂșsica dos versos que faço e recomeço,
meu amor por fim perdido.

Nenhuma lĂąmpada se acende na cĂąmara escura do esquecimento,
onde revelo em banho de prata as imagens que guardo de ti,
imagens que se desfiam na memĂłria de haver corpos,
na memória da alegria que sempre guardamos para dar a alguém,
tremendo de medo, tropeçando de angĂșstia,
enternecidos,
entontecidos,
como aves canoras soltas nos vendavais.

Perdi-te no momento certo de perder-te.
Aqui estĂŁo os augĂșrios, alĂ©m o discernimento.
O amor em surdina desfez-se no seu dizer,
entre versos pobres, um corpo cansado,
e a doença sem fim do desejo mortal.

Apagaram-se as luzes. Nunca o vento da indiferença
me abrirĂĄ as mĂŁos.
Nunca abdicarei deste quinhĂŁo de luz, o meu amor.
E agora vejo bem como as palavras caem,
nĂŁo valem,
se desfolham e são pisadas por qualquer afirmação da vida,
da vida que nĂŁo era para nĂłs.