Poemas sobre Ninguém de Fernando Pessoa

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Poemas de ninguém de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Cerca de Grandes Muros Quem te Sonhas

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde Ă© visĂ­vel o jardim
Através do portão de grade dada,
PÔe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros tĂȘm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde Ă©s teu, e nunca o vĂȘ ninguĂ©m,
Deixa as flores que vĂȘm do chĂŁo crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu Ă©s –
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trås do qual a flor nativa roça
A erva tĂŁo pobre que nem tu a vĂȘs…

Tenho Tanto Sentimento

Tenho tanto sentimento
Que Ă© frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso Ă© pensamento,
Que nĂŁo senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que Ă© vivida
E outra vida que Ă© pensada,
E a Ășnica vida que temos
É essa que Ă© dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberĂĄ explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Mensagem – Mar PortuguĂȘs

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, jĂĄ nĂŁo separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguĂȘs.
Do mar e nĂłs em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em ĂĄrvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, hĂĄ aves,

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A miséria do meu ser

A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.

Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque nĂŁo vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.

É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair Ă© sensĂ­vel
Pelo ruĂ­do imprevisto…
Sou assim. Mas isto Ă© crĂ­vel?

Fresta

Em meus momentos escuros
Em que em mim não hå ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dĂĄ ou tem,

Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longĂ­nquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado

Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusĂŁo
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

Do Vale Ă  Montanha

Do vale Ă  montanha,
Da montanha ao monte, cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por Quinta e por fonte,
Caminhais aliados.

Do vale Ă  montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
AtrĂĄs e defronte,
Caminhais secretos.

Do vale Ă  montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto Ă© sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.

Sonho. NĂŁo Sei quem Sou

Sonho. NĂŁo sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma nĂŁo tem alma.

Se existo Ă© um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que nĂŁo sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
NĂŁo tenho ser nem lei.

Lapso da consciĂȘncia entre ilusĂ”es,
Fantasmas me limitam e me contĂȘm.
Dorme insciente de alheios coraçÔes,
Coração de ninguém.

Conta a Lenda que Dormia

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem sĂł despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, jĂĄ libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que Ă  Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela Ă© ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino —
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mĂŁo, e encontra hera,
E vĂȘ que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

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Como InĂștil Taça Cheia

Como inĂștil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.

Sonhos de mĂĄgoa figura
SĂł para Ter que sentir
E assim nĂŁo tem a amargura
Que se temeu a fingir.

Ficção num palco sem tåbuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mågoas
Para que nada suceda.