Poemas sobre Ninguém de Luiza Neto Jorge

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Poemas de ninguém de Luiza Neto Jorge. Leia este e outros poemas de Luiza Neto Jorge em Poetris.

Acordar na Rua do Mundo

madrugada, passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia Ă© hoje?
soa o sino sĂłlido as horas. os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pĂł.

um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

sirenes e buzinas, ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu, estragou-se o alarme
da joalharia, os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam

o azul dos azulejos, assoma Ă  janela
quem acordou. o alarme não pára o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
nĂŁo gravou

e duma varanda um pingo cai
de um vaso salpicando o fato do bancário

O Corpo Insurrecto

Sendo com o seu ouro, aurĂ­fero,
o corpo Ă© insurrecto.
Consome-se, combustĂ­vel,
no sexo, boca e recto.

Ainda antes que pegue
aos cinco sentidos a chama,
por um aceso acesso
da imaginação
ateiam-se Ă  cama
ou a sĂ­tio algures,
terra de ninguém,
(quem desliza é o espaço
para o corpo que vem),

labaredas tais
que, lume, crepitam
nos ciclos mais extremos,
nas réstias mais íntimas,
as glândulas, esponjas
que os corpos apoiam,
zonas aquáticas
onde os ĂłrgĂŁos boiam.

No amor, dizendo acto de o sagrar,
apertado o corpo do recém-nascido
no ovo solar, há ainda um outro
corpo incluĂ­do,
mas um corpo aquém
de ser sĂŁo ou podre,
um repuxo, um magma,
substância solta,
com pulmões.

Neste amor equĂ­voco
(ou respiração),
sendo um corpo humano,
sendo outro mais alto,
suspenso da morte,
mortalmente intenso,
mais alto e mais denso,

mais talhado Ă© o golpe
quando o põem em prática
com desassossego na respiração
e o sossego cru de quem,

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O Poema Ensina a Cair

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausĂŞncia excede

até à queda vinda
da lenta volĂşpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nĂłs uma homenagem
pĂłstuma.