MĂşsica
Noite perdida,
nĂŁo te lamento:
embarco a vidano pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,puro e sem nada,
– rosa encarnada,
intacta, ao vento.Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,e ressuscitada…
(Asa da lua
quase parada,mostra-me a sua
sombra escondida,
que continuaa minha vida
num chĂŁo profundo!
– raiz prendidaa um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,muda alvorada
que o pensamento
deixa confiadaao tempo lento…
Minha partida,
minha chegada,Ă© tudo vento…
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…
Poemas sobre Noite de CecĂlia Meireles
8 resultadosAssovio
Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saĂmos de braço dado,
a noite escura mais eu.Ela nĂŁo sabe o meu rumo,
eu nĂŁo lhe pergunto o seu:
nĂŁo posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.Vou pelo braço da noite,
levando tudo que Ă© meu:
— a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.
Romantismo
Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!Quem tivesse um amor – longe, certo e impossĂvel –
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado…Quem tivesse um amor, sem dĂşvida e sem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria…
Ah! quem tivesse… (Mas, quem teve? quem teria?)
Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.Minhas mĂŁos ainda estĂŁo molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…
Atitude
Minha esperança perdeu seu nome…
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.O Ăşltimo passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.Meus olhos estarĂŁo sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.
Jornal, longe
Que faremos destes jornais, com telegramas, notĂcias,
anĂşncios, fotografias, opiniões…?Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos”.E Ă© uma das raras vezes em que todos estĂŁo de acordo.
SugestĂŁo
Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.Flor que se cumpre,
sem pergunta.Onda que se esforça,
por exercĂcio desinteressado.Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂŞncios,
cheio de nascimentos e pétalas.Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.Ă€ cigarra, queimando-se em mĂşsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂŞncia para a morte.Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.NĂŁo como o resto dos homens.
SolidĂŁo
Imensas noites de Inverno,
com frias montanhas mudas,
Ă© o mar negro, mais eterno,
mais terrĂvel, mais profundo.(…)
A noite fecha seus lábios
– terra e cĂ©u – guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.