O que me Faz Escrever este Poema
O que me faz escrever este poema
não são as coisas: terra céu astros.
A saber: estendo a mão: e
o mundo reconhece-a encontra amemória onde repousa e se transforma.
Pequena questão de valor cósmico. Insisto:
elo que liga bruma e fumo
felicidade de imagens nome inamistoso.Não sonho palavra sonho barco.
Imóvel aprendo a não esquecer:
aspecto mineral do corpo
um destino de mica qualquer coisa
que não cessa de bater.
Poemas sobre Nomes
180 resultadosSenhoras, Eu Estou Picado
Senhoras, eu ‘stou picado;
Tenham Vossas Excelências
todas quantas paciências
eu tive no seu chamado;
cuidei que por achacado,
doídas da minha tosse
a meter-me-iam na posse
de uma merenda afamada,
e que achava quando nada
cinco condessas de doce.Não me enganei, porque alfim
todas vinham cheias grátis
de vanitas vanitatis,
que isto é fofa em latim.
Tomara eu para mim,
por bem ganhada fazenda,
quanta folhage’ estupenda
traziam nas suas rodas,
mas com tal donaire todas
que puxam por muita renda.Oh! quem pudera cantar
(para bem me vingar dela)
uma que à sua janela
mil vezes vejo Assumar!
Mas obriga-me a calar.
Outra da mesma feição
que é capaz, e com razão,
de prantar-me no focinho,
que farto de S. Martinho
tenho sede a S. João.Outra branca em demasia
não era tão confiada,
posto que estava enfiada
talvez do que não queria:
mas na flor, na louçania,
na suavidade e na cor,
podia largar o amor
por ela redes e barcos,
Só a Natureza é Divina, e Ela não é Divina…
Só a natureza é divina, e ela não é divina…
Se falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos
homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nome às cousas.
Mas as cousas não têm nome nem personalidade:
Existem, e o céu é grande a terra larga,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado…
Bendito seja eu por tudo quanto sei.
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.
Em Dias de Luz Perfeita e Exacta
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
Uma Chama não Chama a mesma Chama
uma chama não chama a mesma chama
á uma outra chama que se chama
em cada chama que chama pela chama
que a chama no chamar se incendeiaum nome não nome o mesmo nome
um outro nome nome que nomeia
em cada nome o meio pelo nome
que o nome no nome se incendeiauma chama um nome a mesma chama
há um outro nome que se chama
em cada nome o chama pelo nome
que a chama no nome se incendeiaum nome uma chama o mesmo nome
há uma outra chama que nomeia
em cada chama o nome que se chama
o nome que na chama se incendeia
Anjo És
Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não têm. – Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?Não respondes – e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!…
Isto que me cai no peito
Que foi?… – Lágrima? – Escaldou-me…
Queima,
Posso Te Dar
Posso te dar a carta de marinha
mas o traço que nela insinuasse
um entre tantos rumos
não.Posso te dar as tábuas de marés
mas a leve emoção de cavalgar
onda e onda após onda
não.Posso te dar os índices das águas
conforme as densidades, mas a branda
flutuação do casco
não.Posso te dar a rosa e o timão
mas o desequilíbrio concertante
ao balanço de bordo
não.Posso te dar exemplos de ancoragens
mas o galeio do barco seguro
retesando as amarras
não.Posso te dar o longe no binóculo
mas acolá das lentes a paisagem
convidando à viagem
não.Posso te dar notícia do mar calmo
mas o rumor das franjas no espelhado
junto à roda de proa
não.Posso te dar o gorro marinheiro
mas a pressão do linho nos cabelos
enquanto sopra o vento
não.Posso te dar a direcção da chuva
mas o gosto da baga salitrada
escorrendo no rosto
não.
Cantiga do Rosto Branco
Rico era o rosto branco; armas trazia,
E o licor que devora e as finas telas;
Na gentil Tibeima os olhos pousa,
E amou a flor das belas.“Quero-te!” disse à cortesã da aldeia;
“Quando, junto de ti, teus olhos miro,
A vista se me turva, as forças perco,
E quase, e quase expiro.”E responde a morena requebrando
Um olhar doce, de cobiça cheio:
“Deixa em teus lábios imprimir meu nome;
Aperta-me em teu seio!”Uma cabana levantaram ambos,
O rosto branco e a amada flor das belas…
Mas as riquezas foram-se co’o tempo,
E as ilusões com elas.Quando ele empobreceu, a amada moça
Noutros lábios pousou seus lábios frios,
E foi ouvir de coração estranho
Alheios desvarios.Desta infidelidade o rosto branco
Triste nova colheu; mas ele amava,
Inda infiéis, aqueles lábios doces,
E tudo perdoava.Perdoava-lhe tudo, e inda corria
A mendigar o grão de porta em porta,
Com que a moça nutrisse, em cujo peito
Jazia a afeição morta.E para si,
Há Palavras que Nos Beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Brilha uma Voz na Noute…
Brilha uma voz na noute
De dentro de Fora ouvi-a…
Ó Universo, eu sou-te…
Oh, o horror da alegria
Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz:Ó mundo,
Sermente em ti eu sou-me…
Mero eco demim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.
Acto ou qualquer outra Coisa
Acto ou qualquer outra coisa. Eu sei, aquela mulher
tão tranquila
vendo da janela do quarto o porto
vendo dos barcos o fumo rente aos mastros
eu seiessa mulher bem podia ter o nome quando
por detrás da janela observa
outras coisas que não são barcos e mastros.Talvez os homenzinhos de azul despertem seus desejos
ou só o azul desbotado, mas não
não nessa janela nesse porto de cidade que não sei
e ela sabeenvolta no vestido, ruivo o cabelo,
envolta nas madeiras da portada.
O chão deve ranger sob os seus pés.
A Nada Imploram Tuas Mãos já Coisas
A nada imploram tuas mãos já coisas,
Nem convencem teus lábios já parados,
No abafo subterrâneo
Da úmida imposta terra.Só talvez o sorriso com que amavas
Te embalsama remota, e nas memórias
Te ergue qual eras, hoje
Cortiço apodrecido.E o nome inútil que teu corpo morto
Usou, vivo, na terra, como uma alma,
Não lembra. A ode grava,
Anônimo, um sorriso.
Retrato
Pintar o rosto de Márcia
Com tal primor determino,
Que seja logo seu rosto
Pela pinta conhecido.
Anda doudo de prazer
Seu cabelo por tão lindo,
Pois mal lhe vai uma onda,
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos
Do Turco Império castigo
Vencido tem Solimão,
Meias Luas tem vencido.
Dormidos seus olhos são,
Porém Planetas tão ricos
Nunca já foram sonhados,
Bem que sempre são dormidos.
A dormir creio se lançam
Por ter de mortais, e vivos
Tão boa fama cobrado,
Nome tão grande adquirido.
Entre seus raios se mostra
O grande nariz bornido,
Por final que entre seus raios
Prova o nariz de aquilino.
Nas taças de suas faces
Feitas do metal mais limpo,
Como certos Reverendos,
Mistura o branco co’tinto.
As perlas dos dentes alvos,
Os rubins dos beiços finos
Tem desdentado o marfim,
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz
Nem é neve, nem é vidro,
Nem mármore, nem marfim,
Nem cristal, mas passadiço.
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes não ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pés n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mãos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Cacida da Mão Impossível
Não quero mais que uma mão,
mão ferida, se possível.
Não quero mais que uma mão,
inda que passe noites mil sem cama.Seria um lírio pálido de cal,
uma pomba atada ao meu coração,
o guarda que na noite do meu trânsito
de todo vetaria o acesso à lua.Não quero mais que essa mão
para os diários óleos e a mortalha de minha agonia.
Não quero mais que essa mão
para de minha morte ter uma asa.Tudo mais passa.
Rubor sem nome mais, astro perpétuo.
O demais é o outro; vento triste
enquanto as folhas fogem debandadas.Tradução de Oscar Mendes
A Mulher Borda
A mulher borda
violentamente
o ventre contra o chão.É este o centro do círculo da loucura
e a luz está toda nos dedos.O crime tem a idade do mundo, diz,
e recomeça a coser os pulsos
filho a filho.A loucura é agora uma mão
cheia de sal
voltada para dentro.Nenhum vaso se entorna
já em seu nome,
e sobre a mesaos frutos estão fechados como pedras.
Te Baptizar de Novo
Te baptizar de novo.
Te nomear num trançado de teias
E ao invés de Morte
Te chamar Insana
Fulva
Feixe de flautas
Calha
Candeia
Palma, porque não?
Te recriar nuns arco-íris
Da alma, nuns possíveis
Construir teu nome
E cantar teus nomes perecíveis:
Palha
Corça
Nula
Praia
Porque não?
Solidão
Imensas noites de Inverno,
com frias montanhas mudas,
é o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.(…)
A noite fecha seus lábios
– terra e céu – guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
Cromo
andamos pelo mundo
experimentando a morte
dos brancos cabelos das palavras
atravessamos a vida com o nome do medo
e o consolo dalgum vinho que nos sustém
a urgência de escrever
não se sabe para quemo fogo a seiva das plantas eivada de astros
a vida policopiada e distribuída assim
através da língua… gratuitamente
o amargo sabor deste país contaminado
as manchas de tinta na boca ferida dos tigres de papelenquanto durmo à velocidade dos pipelines
esboço cromos para uma colecção de sonhos lunares
e ao acordar… a incoerente cidade odeia
quem deveria amaro tempo escoa-se na música silente deste mar
ah meu amigo… como invejo essa tarde de fogo
em que apetecia morrer e voltar
Só
Hoje enquanto tiver dinheiro
beberei
Depois
entregarei ao garçom
meu relógio de pulso
meus carpins de nylon
meus óculos de tartaruga (que nome bonito)
minha caneta tinteiro
e continuarei bebendo
bebendo
sem literatura
sem poema
sem nada.
Só.
Como se o mundo começasse agora.
Estou nesses conscientes estados de alma
em que não posso me salvar
e nem salvá-la.