Saudades Trágico-MarĂtimas
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longĂnquo rumor de ladainha,
e soluços,
de alĂ©m…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
SĂŁo meus AvĂłs rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
sĂŁo eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de alĂ©m, de alĂ©m…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Naufraguei cem vezes já…
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mĂŁe –
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia alĂ©m…
Poemas sobre Nus de Afonso Lopes Vieira
3 resultadosDança do Vento
O vento Ă© bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz Ă s flores, bailando:
– Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
– E lá vai!…
O vento Ă© bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz Ă s altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!…
O vento Ă© bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz Ă s folhas caĂdas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chĂŁo remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
– E lá vai!
O vento Ă© bom bailador,
Leve, Leve, o Luar
Leve, leve, o luar de neve
goteja em perlas leitosas,
o luar de neve e tĂŁo leve
que ameiga o seio das rosas.E as gotas finas da etérea
chuva, caindo do ar,
matam a sede sidéria
das coisas que embebe o luar.A luz, oh sol, com que alagas,
abre feridas, e a lua
vem pĂ´r no lume das chagas
o beijo da pele nua.