Ontem Ă Tarde um Homem das Cidades
Ontem Ă tarde um homem das cidades
Falava Ă porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que tĂŞm fome,
E dos ricos, que sĂł tĂŞm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O Ăłdio que ele sentia, e a compaixĂŁo
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os
outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais Ă© perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmĂşrio longĂnquo dos chocalhos
A esse entardecer
NĂŁo parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem Ă missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.
Poemas sobre Ă“dio de Alberto Caeiro
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