Poemas sobre Olhar de Eugénio de Andrade

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Poemas de olhar de Eugénio de Andrade. Leia este e outros poemas de Eugénio de Andrade em Poetris.

Sobre a Palavra

Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece

Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama

Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura

Na porosa fronteira do silĂȘncio
a mĂŁo ilumina a terra inacabada

Interminavelmente

Que Diremos Ainda?

VĂȘ como de sĂșbito o cĂ©u se fecha
sobre dunas e barcos,
e cada um de nĂłs se volta e fixa
os olhos um no outro,
e como deles devagar escorre
a Ășltima luz sobre as areias.

Que diremos ainda? SerĂŁo palavras,
isto que aflora aos lĂĄbios?
Palavras?, este rumor tĂŁo leve
que ouvimos o dia desprender-se?
Palavras, ou luz ainda?

Palavras, nĂŁo. Quem as sabia?
Foi apenas lembrança doutra luz.
Nem luz seria, apenas outro olhar.

Pequena Elegia de Setembro

NĂŁo sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

EstĂĄs sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas Ășltimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que mĂșsica escutas tĂŁo atentamente
que nĂŁo dĂĄs por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou Ă© dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a mĂșsica cesse
e tu nĂŁo possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memĂłria.

Com que palavras
ou beijos ou lĂĄgrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tĂŁo alheia
que nem dĂĄs por mim.