O Procurador do Amor
Amor, a quanto me obrigas.
De dorso curvo e olhar aceso,
troto as avenidas neutras
atrás da sombra que me inculcas.Esta sombra que se confunde
com as mulheres gordas e magras,
entra numa porta, sai por outra
como nos filmes americanos,
e reaparece olhando as vitrinas.Meu olhar desnuda as passantes.
Ă€s vezes um bico de seio
vale mais que o melhor Baedeker.
Mas onde seio para minha sede?O andar, a curva de um joelho,
vinco de seda no quadril
(nĂŁo sabia quanto eras pura),
faço a polĂcia dos dessous.Eu sei que o ĂŞxtase supremo,
o looping no céu espiritual
pode enredar-se, malicioso,
no que as mulheres mais (?) escondem
no que meus olhos mais indagam.O dia se emenda com a noite
As mulheres vĂŁo para a rua
mas a mulher que tu me destinas
talvez ainda esteja em Peiping.Desiludido ainda me iludo.
Namoro a plumagem do galo
no ouro pérfido do coquetel.
Enquanto as mulheres cocoricam
os homens engolem veneno.
Poemas sobre Olhos de Carlos Drummond de Andrade
7 resultadosO Tempo Passa? NĂŁo Passa
O tempo passa? NĂŁo passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um sĂł verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo Ă© todo vestido
de amor e tempo de amar.O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
Ă© um nascer toda a hora.E nosso amor, que brotou
do tempo, nĂŁo tem idade,
pois sĂł quem ama
escutou o apelo da eternidade.
Briga
Brigar Ă© simples.
Chame-se covarde ao contendor.
Ele olhe nos olhos e:
— Repete.
Repita-se: — Covarde.
EntĂŁo ele recite, resoluto:
— Puta que pariu.
— A sua, fio da puta.Cessem as palavras. Bofetão.
Articulem-se os dois no braço a braço.
Soco de lá soco de cá
pontapé calço rasteira
unha, dente, sérios, aplicados
na honra de lutar:
um corpo sĂł de dois que se embolaram.Dure o tempo que durar
a resistĂŞncia de um.
NĂŁo desdoura apanhar, mas que se cumpra
a lei da briga, simples.
Convite Triste
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida Ă© ruim,
meu amigo, vamos sofrer.Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.Vamos beber uĂsque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mĂŁos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que Ă© dele
e que nunca será alma.Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mĂŁo idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.
VĂ©spera
Amor: em teu regaço as formas sonham
o instante de existir: ainda Ă© bem cedo
para acordar, sofrer. Nem se conhecem
os que se destruirĂŁo em teu bruxedo.Nem tu sabes, amor, que te aproximas
a passo de veludo. És tão secreto,
reticente e ardiloso, que semelhas
uma casa fugindo ao arquitecto.Que presságios circulam pelo éter,
que signos de paixão, que suspirália
hesita em consumar-se, como flĂşor,
se não a roça enfim tua sandália?Não queres morder célere nem forte.
Evitas o clarĂŁo aberto em susto.
Examinas cada alma. É fogo inerte?
O sacrifĂcio há de ser lento e augusto.EntĂŁo, amor, escolhes o disfarce.
Como brincas (e és sério) em cabriolas,
em risadas sem modo, pés descalços,
no cĂrculo de luz que desenrolas!Contempla este jardim: os namorados,
dois a dois, lábio a lábio, vão seguindo
de teu capricho o hermético astrolábio,
e perseguem o sol no dia findo.E se deitam na relva; e se enlaçando
num desejo menor, ou na indecisa
procura de si mesmos,
Sob o Chuveiro Amar
Sob o chuveiro amar, sabĂŁo e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo — é água, esperma,
Ă© amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?
IrmĂŁo, IrmĂŁos
Cada irmĂŁo Ă© diferente.
Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço,
ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho
ao mĂsero caçula.SĂŁo seis ou sĂŁo seiscentas
distâncias que se cruzam, se dilatam
no gesto, no calar, no pensamento?
Que léguas de um a outro irmão.
Entretanto, o campo aberto,
os mesmos copos,o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa Ă© a mesma. Igual,
vista por olhos diferentes?SĂŁo estranhos prĂłximos, atentos
à área de domĂnio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma,
seus objectos de toalete. Ninguém ouse
indevida cópia de outra vida.Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quĂŞ? De uma pueril
vontade de ser irmĂŁo futuro, antigo e sempre?