Poemas sobre Ombros

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Poemas de ombros escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Biografia

Sou aquele a quem busco:
jamais encontrarei a minha sombra.
A noite me acompanha
e sei que luto
com a treva. Combato: sangue a sangue
e corpo a corpo.

Rios sob o meu pulso
escapam ao destino atroz do sono:
durmo com a lembrança
de minha fuga
e o sĂłlido vazio das montanhas.
Sem horizontes.

Avanço com a angĂșstia
prévia: a visão do derradeiro encontro.
Reconheço que canso.
Porque sou surdo:
só ouço a minha voz quando alguém chama
alguém que é outro.

Reconheço um segundo:
crio logo raĂ­zes e sou tronco
sem nenhuma esperança.
Espero tudo
e nĂŁo espero nada que nĂŁo ganhe
outro contorno.

Sou aquele que do hĂșmus
liberta os pés e as pernas sem esforço
até saber que anda
imĂłvel. Fundas
sĂŁo minhas mĂŁos e afundam por instantes.
Encolho os ombros.

Spleen

Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nĂłs, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;

Quando se muda a terra em hĂșmida enxovia
D’onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;

Quando a chuva, caindo a cĂąntaros, parece
D’uma prisĂŁo enorme os sinistros varĂ”es,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantåsticas visÔes,

– Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espĂ­ritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;

Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh’alma sombria. A sucumbida Esp’rança,
Lamenta-se, chorando; e a AngĂșstia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!

Tradução de Delfim Guimarães

Na Véspera de não Partir Nunca

Na véspera de não partir nunca
Ao menos nĂŁo hĂĄ que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntĂĄrio de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
NĂŁo hĂĄ que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de jĂĄ nĂŁo haver sequer de que ter sossego!
Grande tranqĂŒilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de nĂŁo ter precisĂŁo de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
HĂĄ quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego…
Grande tranqĂŒilidade…
Que repouso, depois de tantas viagens, fĂ­sicas e psĂ­quicas!
Que prazer olhar para as malas fĂ­tando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a vĂ©spera de nĂŁo partir nunca!

PĂ”e-me as MĂŁos nos Ombros…

PĂ”e-me as mĂŁos nos ombros…
Beija-me na fronte…
Minha vida Ă© escombros,
A minha alma insonte.

Eu nĂŁo sei por quĂȘ,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vĂȘ,
E vĂȘ tudo estranho.

PÔe a tua mão
Sobre o meu cabelo…
Tudo Ă© ilusĂŁo.
Sonhar Ă© sabĂȘ-lo.

O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lĂșbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marĂ­timo
e o pĂŁo for invadido pelas ondas –
seu corpo arderĂĄ mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderĂĄ para mim
sobre um lençol mordido por flores com ågua.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordÔes da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares Ă  porta dos edifĂ­cios pĂșblicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anĂșncios de apa-
relhos de rĂĄdio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no åtrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidĂŁo da angĂșstia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carĂĄcter de urgĂȘncia
deixando cair dos ombros o fardo incĂłmodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inĂșteis
Apenas o silĂȘncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

NĂŁo saĂ­ram de mĂŁos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denĂșncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rĂĄdio jĂĄ falou A TV anuncia
iminente a captura A polĂ­cia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
Ă© possĂ­vel que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Hå pesadas sançÔes para os que auxiliarem os fugitivos

(…)