Poemas

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Os Anos Quarenta

Amo-te mais quando olho quando
para a torneira do gás quando estou nu à noite quando
e começo a mexer em pânico os ossos da mão direita
há domingos há a infância em que se parou numas escadas altas
ouvia-se a guerra ia-se para a cama por causa do ciclone
e quando o vento vem e decepa e quando
as árvores da rua é a mãe que recorta
uns papéis
brancos para colar nos vidros
ou quando (da capo) esse homem
nu Ă  noite quando olha

e vejo vĂŞ-se
o indicador direito
manchado de nicotina

depois uma vez desfila
a vitĂłria! surpreendo-os na sala
que me dĂŁo dinheiro e corro a comprar barros
na feira e quando quando coisas assim
partia logo e isso era a tristeza

volto a pensar: que queria eu na infância
o sol? outro nome sobre o meu tão frágil?

amo-te mais Ă  noite portanto
quando dobro as calças e começo
quando esse gesto Ăştil quando
bate numas pernas e vĂŞ-se
de trinta e cinco anos

Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado,
No momento anterior
e no seguinte,
como sabĂŞ-lo?

Quero que me repitas até à exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
NĂŁo exijo senĂŁo isto,
isto sempre, isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a nĂŁo ser esta
de reconhecer o dom amoroso.

Viola Chinesa

Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.

Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.

Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?

Ao longo da viola, morosa…

Serenata do Adolescente

Que doentia claridade
a que me invade e me obsidia,
durante a noite e Ă  luz da tarde,
Ă  luz da tarde, Ă  luz do dia!
Que doentia aquela grade
de insone e ténue claridade,
sob a avançada gelosia!

Passo na rua e nada vejo
senĂŁo a luz, a luz e a grade.
Ă“ lamparina do desejo,
porque ardes tu, até tão tarde?
E Ă s vezes surge, entre a cortina,
aquela sombra vespertina
que me retém nesta ansiedade.

Se tens trint’anos? ou cinquenta?
Quis lá saber a tua idade!
Sei que em meus olhos se impacienta
fome da luz daquela grade!
Sei que sou novo, e que me odeio
porque me tarda — ante o teu seio —
queimar tĂŁo pobre mocidade!

Nada Nos Falta, porque Nada Somos

Ao longe os montes tĂŞm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.

Hoje, Neera, nĂŁo nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
NĂŁo esperamos nada
E temos frio ao sol.

Mas tal como Ă©, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.

Gazel do Amor Maravilhoso

Com todo o gesso
dos campos maus,
eras junco de amor, jasmim molhado.

Com o sol e chama
dos céus malvados,
eras rumor de neve por meu peito.

CĂ©us e campos
prendiam correntes em minhas mĂŁos.

Campos e céus
açoitavam as chagas do meu corpo.

Tradução de Oscar Mendes

AusĂŞncia

Por muito tempo achei que a ausĂŞncia Ă© falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje nĂŁo a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausĂŞncia Ă© um estar em mim.
E sinto-a, branca, tĂŁo pegada, aconchegada nos meus
[braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausĂŞncia, essa ausĂŞncia assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Se penso mais que um momento

Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.

Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou nĂŁo tive,

Deixarei de ser visĂ­vel
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensĂ­vel,
Ou Ă©brio de outro arrebol,

Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mĂŞs a mĂŞs e ano a ano.

Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lambra-nos que isso Ă© disfarce
E que Ă© a noite que Ă© tudo.

Bolor

Os versos
que te digam
a pobreza que somos,
o bolor nas paredes
deste quarto deserto,
o orvalho da amargura
na flor
de cada sonho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.

Coração sem Imagens

Deito fora as imagens.
Sem ti, para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em qualquer parte
e cuja direcção
Ă© igualmente passageira
e verĂ­dica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisĂ­veis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a nĂŁo ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens nĂŁo dĂŁo
felicidade a ninguém.

Era mais difĂ­cil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difĂ­cil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso nĂŁo seja ser feliz.

Endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas nĂŁo de matar.

U~a graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem Ă© cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vĂŁo
Perde opiniĂŁo
Que os louros sĂŁo belos.

PretidĂŁo de Amor,
TĂŁo doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidĂŁo,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta Ă© a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.

Carta a um «Amor»

Recordo, Margarida, as tardes quando
Cata no MarĂŁo o Sol de Julho!
Meu ranchinho de rolas rorolando,
VĂłs Ă©reis meu orgulho.

O ar como um veludo, os ares tĂŁo macios,
Ó tardes do jardim! à fonte da água, aos fios,
Ă­amos todos nĂłs era tĂŁo alegre bando
Que desde que eu o nĂŁo sinto
Sou como um corpo extinto,
NĂŁo sinto ora nem quando.

E estar de vĂłs tĂŁo longe
Cá neste meu terreno onde pareço um monge,
Sem uma linha, um verso
Desse Corgo sem par, a boa e madre
Terra como outra assim não haverá,
Montanhas que no Céu têm aquase o berço!
Escreve, Margarida, ao teu compadre,
Vá!

Quero que diga
Florinda como vai, e vai assim Loreto,
Lindo pajem, que linda em seu veludo preto!
E os mais amorzinhos, rapariga,
Os que tua amizade aĂ­ me deu!

Na alma dum poeta, vê-se nela o céu:
E assim
A tudo, Margarida, o que o prendeu
Arrecada-o na vida, e para a morte.
Escreve mal, e daĂ­,

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SilĂŞncio, Nostalgia…

SilĂŞncio, nostalgia…
Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.

Luz de Outono, fria, fria…
Hora inĂştil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silĂŞncio ou nostalgia.

Interminável dia
de indizíveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?

Calçada de Carriche

LuĂ­sa sobe,
sobe a calçada,
sobe e nĂŁo pode
que vai cansada.
Sobe, LuĂ­sa,
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mĂŁo grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, LuĂ­sa,
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

LuĂ­sa Ă© nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, LuĂ­sa.
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, LuĂ­sa,
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
nĂŁo disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito Ă  casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se Ă  pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;

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As MĂŁos do Meu Pai

As tuas mĂŁos tĂŞm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cĂłlera dos justos…

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrĂ­vel solidĂŁo do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendĂŞ-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mĂŁos.

E Ă©, ainda, a vida
que transfigura das tuas mĂŁos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a prĂłpria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarĂŁo de alma…

Teoria da Presença de Deus

Somos seres olhados
Quando os nossos braços ensaiarem um gesto
fora do dia-a-dia ou nĂŁo seguirem
a marca deixada pelas rodas dos carros
ao longo da vereda marginada de choupos
na manhĂŁ inocente ou na complexa tarde
repetiremos para nĂłs prĂłprios
que somos seres olhados

E haverá nos gestos que nos representam
a unidade de uma nota de violoncelo
E onde quer que estejamos será sempre um terraço
a meia altura
com os ao longe por muito tempo estudados
perfis do monte mário ou de qualquer outro monte
o melhor sĂ­tio para saber qualquer coisa da vida

O Procurador do Amor

Amor, a quanto me obrigas.
De dorso curvo e olhar aceso,
troto as avenidas neutras
atrás da sombra que me inculcas.

Esta sombra que se confunde
com as mulheres gordas e magras,
entra numa porta, sai por outra
como nos filmes americanos,
e reaparece olhando as vitrinas.

Meu olhar desnuda as passantes.
Ă€s vezes um bico de seio
vale mais que o melhor Baedeker.
Mas onde seio para minha sede?

O andar, a curva de um joelho,
vinco de seda no quadril
(nĂŁo sabia quanto eras pura),
faço a polícia dos dessous.

Eu sei que o ĂŞxtase supremo,
o looping no céu espiritual
pode enredar-se, malicioso,
no que as mulheres mais (?) escondem
no que meus olhos mais indagam.

O dia se emenda com a noite
As mulheres vĂŁo para a rua
mas a mulher que tu me destinas
talvez ainda esteja em Peiping.

Desiludido ainda me iludo.
Namoro a plumagem do galo
no ouro pérfido do coquetel.
Enquanto as mulheres cocoricam
os homens engolem veneno.

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Passo Triste no Mundo

Passo triste no mundo, alheio ao mundo.
Passo no mundo alheio, sem o ver,
E mĂ­stico, ideal e vagabundo,
Sinto erguer-se minh’Alma do profundo
Abismo do seu Ser.

Vivo de Mim, em Mim, e para Mim,
E para Deus em Mim ressuscitado,
Sou Saudade do Longe donde vim,
E sou Ă‚nsia do Longe, em que por fim
Serei transfigurado.

Vivo de Deus, em Deus, e para Deus,
E minh’alma, sonâmbula, esquecida,
Nele fitando os tristes olhos seus,
Passa triste e sozinha, olhando os céus,
No caminho da Vida.

Fui Outro, e, Outro sendo, Outro serei;
Outro vivendo a mĂ­stica beleza,
Por esta humana forma que encarnei,
Por lágrimas de sangue que chorei
Na terra da tristeza.

EspĂ­rito na Dor purificado,
Ser que passa no mundo, sem o ver,
Em esta pobre terra de pecado,
Amor divino em Deus extasiado,
O meu Ser Ă© NĂŁo-Ser em Outro-Ser.

AscensĂŁo

Nunca estive tĂŁo perto da verdade.
Sinto-a contra mim,
Sei que vou com ela.

Tantas vezes falei negando sempre,
esgotando todas as negações possíveis,
conduzindo-as ao cerco da verdade,
que hoje, cĂ´ncavo tĂŁo cĂ´ncavo,

sou inteiramente liso interiormente,
sou um aquário dos mares,
sou apenas um balĂŁo cheio dessa verdade do mundo.

Sei que vou com ela,
sinto-a contra mim, –
nunca estive tĂŁo perto da verdade.

Memento por um coração que ladra

O
cĂŁo
que
mais
ganir
Ă©
francĂŞs,
eco
nostálgico
de
uma
Bretanha
em fĂşria,
uvas
sangrentas,
espelho
ratado
pelo
sĂ­tio
do umbigo.
Um
bicho
que
gane
merece
os
ardis
todos
e
sulfĂşricas
desgraças.
Dá-se
ao
animal
o
que
vier
do
medo
(rebuçado
com
buço
de
sapo)
e
as
máscaras
do
Lácio
passam.
EntĂŁo
ser
voada
flor
em chaga
ou
simples
cĂŁo
já
nĂŁo
atrapalha
nem
é trapaça.
Um
coração
que
ladra
tem
sempre
boa
raça.