Erra, Fio mortal da Alma, o Destino
Erra, fio mortal da alma, o destino.
Porém, trémulo, o não temo.
Seco será o poder do nada, o silêncio
dos deuses ou o rosto corrompido
dos homens. Estas folhas ásperas
e pálidas entardecem e conhecem-me.
O ar que queima, sem arder, a pedra
da manhã ou o inigualado luto
da noite, é solene, é suave,
inexorável princípio de tudo
quanto existirá. É ido o sonho
do fogo, a exacta vida, sucumbe
o corpo no vazio enigma da cólera
divina. Dura, sem medida, a excessiva,
a ébria, a avara solidão, neste ar
perene que, no odor da terra se
oculta. Só minha absurda aparência
a Ave dilacera.
Poemas
2662 resultadosAmigo
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Símbolos
Símbolos? Estou farto de símbolos…
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem…
Que a lua seja um símbolo, está bem…
Que a terra seja um símbolo, está bem…
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra…
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo…
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
Senhora, porque me Deixas?
Senhora, porque me deixas,
Quando eu te não deixei?
Se me deixas, minhas queixas
A quem é que eu as farei?Senhora do meu deserto,
Com alegria, ou tristeza,
Mostra o caminho mais certo
À minha grande incerteza.Que a tua boca me diga
Segredos, intimidades.
Que a tua voz seja amiga
De quem não tem amizades.Porque me deixas, senhora,
Depois de ver-te a meu lado?
Em vez disso melhor fora
Nunca te haver encontrado.Senhora porque me deixas
Com o teu perfil esguio?
Se me deixas, minhas queixas
A quem é que eu as confio?
Corpo
corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casaabre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservadomas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunaslevanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo
Poema Quase Apostólico
Está sereno o poeta
Desprende-se-lhe dos ombros e cai
depois em pregas por ele abaixo a manhã
Não pertencem ao dia os gestos que ele tem
não morrerão na noite seus assombrosos passos
Dizem que ele volta a pôr em movimento a roda
de crianças de atitudes desmedidas
que o vento varreu e parque algum queria
E abre os braços para deixar cair na cidade
um ano favorável ao senhor
E põe o rosto do senhor por trás das suas palavras
Elas decerto o hão-de dar a quem as demandar
Domingo Irei
Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles…
Domingo…
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo…
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo…
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!
As Tuas Mãos
Pálido, extático,
olhavas para mim.
E as tuas mãos raras,
de linhas estilizadas,
poisavam abandonadas
sobre os tons liriais do meu coxim…Os meus olhos de sonho
ficaram presos tristemente
às tuas mãos!…
– Mãos de doente,
mãos de asceta…
E eu que amo e quero a rubra cor dos sãos,
tombei-me a contemplá-las
numa atitude cismadora e quieta…Depois aqueles beijos que lhe dei,
unindo-as, ansiosa, à minha boca
torturada e aflita,
tiveram a amargura
suavemente doce
duma dor bendita!Mãos de renúncia! Mãos de amargor!
… E as tuas lindas mãos, nostálgicas e frias,
tristes cadáveres
de ilusão e dor,
não puderam entender
a febre exaltada
e torturante
que abrasava
as minhas mãos
delicadas,
– as minhas mãos de mulher!
Labirinto ou não Foi Nada
Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua …
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.
YANG
Minha música se mostra, avança
serena feito vaca mansa.Este som, rock’n roll
estandarte que tremula ao sol.Este som, escarlate
pedra que brilha, quilate.Mas é só uma canção
para aquecer seu coração.Já conheço essa minha guitarra
arma, bomba, cimitarra.Me conheço, sem eira nem beira.
Poesia, última trincheira.Minha música, cor quente
eu quero é pratear sua mente.Novamente.
Eu quero é pratear sua mente.
Flor que não Dura
Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.
Flor de Ventura
A flor de ventura
Que amor me entregou,
Tão bela e tão pura
Jamais a criou:Não brota na selva
De inculto vigor,
Não cresce entre a relva
De virgem frescor;Jardins de cultura
Não pode habitar
A flor de ventura
Que amor me quis dar.Semente é divina
Que veio dos Céus;
Só n’alma germina
Ao sopro de Deus.Tão alva e mimosa
Não há outra flor;
Uns longes de rosa
Lhe avivam a cor;E o aroma… Ai!, delírio
Suave e sem fim!
É a rosa, é o lírio,
É o nardo, o jasmim;É um filtro que apura,
Que exalta o viver,
E em doce tortura
Faz de ânsias morrer.Ai!, morrer… que sorte
Bendita de amor!
Que me leve a morte
Beijando-te, flor.
Chegada a Hora o Sonho Será Terra
Chegada a hora o sonho será terra,
o medo dará seu último vintém,
e o passado e o futuro serão guerra
do não-ser sobre terras de ninguém
Árvore gémea à que em dor se enterra,
o céu descerá em busca de outro além,
e unidos ambos, corpo e céu, a alma er-
rará distante, mas morta, também.
Será possível mesmo o fim de tudo,
tudo tão rápido? Ó pássaro ao vento,
ó ave sombria: cantai num templo mudo,
a atroz saudade da alma nunca vista,
passo perdido em negro firmamento,
paisagem morta — que a terra conquista!
Pobre Velha Música!
Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.Recordo outro ouvir-te,
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.
Não é desgraça ser pobre
Não é desgraça ser pobre,
não é desgraça ser louca:
desgraça é trazer o fado
no coração e na boca.Nesta vida desvairada,
ser feliz é coisa pouca.
Se as loucas não sentem nada,
não é desgraça ser louca.Ao nascer trouxe uma estrela;
nela o destino traçado.
Não foi desgraça trazé-la:
desgraça é trazer o fado.Desgraça é andar a gente
de tanto cantar, já rouca,
e o fado, teimosamente,
no coração e na boca.
o tempo subitamente solto
o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.
Andáva a Lua nos Céus
Andáva a lua nos céus
Com o seu bando de estrellas.Na minha alcova,
Ardiam vellas,
Em candelabros de bronze.Pelo chão, em desalinho,
Os velludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho.Elle olhava-me scismado;
E eu,
Placidamente, fumava,
Vendo a lua branca e núa
Que pelos céus caminhava.Aproximou-se; e em delirio
Procurou ávidamente,
E ávidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.Arrastou-me para Elle,
E, encostado ao meu hombro,
Fallou-me d’um pagem loiro
Que morrêra de Saudade,
Á beira-mar, a cantar…Olhei o céu!
Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombría.Déram-se as bocas n’um beijo,
– Um beijo nervoso e lento…
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento.Vinha longe a madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecêra cansado
E que eu beijára loucamente
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente,
Bebia vinho… até cahir.
Praia do Esquecimento
Fujo da sombra; cerro os olhos: não há nada.
A minha vida nem consente
rumor de gente
na praia desolada.Apenas decisão de esquecimento:
mas só neste momento eu a descubro
como a um fruto rubro
de que, sem já sabê-lo, me sustento.E do Sol amarelo que há no céu
somente sei que me queimou a pele.
Juro: nem dei por ele
quando nasceu.
Hoje de Manhã Saí Muito Cedo
Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer…Não sabia por caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.Assim tem sido sempre a minha vida, e
assim quero que possa ser sempre —
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.
Só eu Sinto Bater-lhe o Coração
Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
(Alguém há-de guardar este tesoiro!)
E, como dorme, afago-lhe o cabelo,
Que mesmo adormecido é fino e loiro.Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei-de ter e nunca tive.E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço…
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!