Poemas

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Poemas de autores conhecidos para ler e compartilhar. Os melhores poemas estão em Poetris.

Destino

Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta «Florece!»
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem…
Ai!, não mo disse ninguém.

Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino .
Vim cumprir o meu destino…
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

Demasiada Loucura é o Mais Divino Juízo

Demasiada Loucura é o mais divino Juízo –
Para um Olhar criterioso –
Demasiado Juízo – a mais severa Loucura –
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece –
Consente – e és são –
Objecta – és perigoso de imediato –
E acorrentado –

Tradução de Nuno Júdice

O quê? Valho Mais que uma Flor

O quê? Valho mais que uma flor
Porque ela não sabe que tem cor e eu sei,
Porque ela não sabe que tem perfume e eu sei,
Porque ela não tem consciência de mim e eu tenho consciência dela?
Mas o que tem uma coisa com a outra
Para que seja superior ou inferior a ela?
Sim tenho consciência da planta e ela não a tem de mim.
Mas se a forma da consciência é ter consciência, que há nisso?
A planta, se falasse, podia dizer-me: E o teu perfume?
Podia dizer-me: Tu tens consciência porque ter consciência é uma qualidade humana
E só não tenho uma porque sou flor senão seria homem.
Tenho perfume e tu não tens, porque sou flor…

Mas para que me comparo com uma flor, se eu sou eu
E a flor é a flor?

Ah, não comparemos coisa nenhuma, olhemos.
Deixemos análises, metáforas, símiles.
Comparar uma coisa com outra é esquecer essa coisa.
Nenhuma coisa lembra outra se repararmos para ela.
Cada coisa só lembra o que é
E só é o que nada mais é.

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Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa

no meio de um laranjal…

Mas — tu sabes — a noite é enorme,

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A Imprecisa Melancolia

Nada o distrairia
nessa procura, disse.
Este o recado
da contingência:

era verão e fazia
muito calor.
Saía cedo, cortando
a passos lentos
a sombra das 9:30.
Caminhar até à vertiginosa
queda dos poentes.
Assinalar uma cinza,

a imprecisa melancolia

Simplicidade

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça…

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

A Nossa Vez

É o frio que nos tolhe ao domingo
no Inverno, quando mais rareia
a esperança. São certas fixações
da consciência, coisas que andam
pela casa à procura de um lugar

e entram clandestinas no poema.
São os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. É a espera

e a demora. São as ruas sossegadas
à hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. É a deriva
nocturna da memória: é o medo
de termos perdido sem querer

a nossa vez.

Escrito de Memória

Formado em direito e solidão,
às escuras te busco enquanto a chuva brilha.
É verdade que olhas, é verdade que dizes.
Que todos temos medo e água pura.

A que deuses te devo, se te devo,
que espanto é este, se há razão pra ele?
Como te busco, então, se estás aqui,
ou, se não estás, por te quero tida?
Quais olhos e qual noite?
Aquela
em que estiveste por me dizeres o nome.

Na Ampla Praça há apenas Plátanos

Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.

O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.

Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.

Cessa o Teu Canto!

Cessa o teu canto!
Cessa, que, enquanto
O ouvi, ouvia
Uma outra voz
Com que vindo
Nos interstícios
Do brando encanto
Com que o teu canto
Vinha até nós.

Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas cantar.
E a melodia
Que não havia.
Se agora a lembro,
Faz-me chorar.

Os Cavalleiros

– Onde vaes tu, cavalleiro,
Pela noite sem luar?
Diz o vento viajeiro,
Ao lado d’elle a ventar…
Não responde o cavalleiro,
Que vae absorto a scismar.
– Onde vaes tu, torna o vento,
N’esse doido galopar?
Vaes bater a algum convento?
Eu ensino-te a rezar.
E a lua surge, um momento,
A lua, convento do Ar.
– Vaes levar uma mensagem?
Dá-m’a que eu vou-t’a entregar:
Irás em meia viagem
E eu já de volta hei-de estar.
E o cavalleiro, á passagem,
Faz as arvores vergar.
– Vaes escalar um mosteiro?
Eu ajudo-t’o a escalar:
Não ha no mundo pedreiro
Que a mim se possa egualar!
Não responde o cavalleiro
E o vento torna a fallar:
– Dize, dize! vaes p’ra guerra?
Monta em mim, vou-te levar:
Não ha cavallo na Terra
Que tenha tão bom andar…
E os trovões rolam na serra
Como vagas a arrolar!
– E as guerras has-de ganhal-as,
Que por ti hei-de velar:
Ponho-me á frente das balas
Para a força lhes tirar!

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O Verme

Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.

Poeta como Tu, Irmão

Não sou mais poeta do que tu, irmão!
Tu cavas na terra a semente da vida,
eu cavo na vida a semente da libertação.

Somos partes perdidas dum só
que a razão de ser das coisas
separou. Não sou mais poeta do que tu, irmão.
A mãe que te gerou a mim me gerou —
não foi ela quem nos trocou
as mãos, a voz do coração.

Abandona um pouco a charrua, arranca
da terra os olhos cansados, e limpa
o sujo da cara ao sujo das mãos — onde
os calos são um só e as rugas da morte
caminhos cobertos de pó.

E olha
na direcção do meu braço cansado, sem
músculos quadrados
nem merda nas unhas, mas que te aponta
o mundo onde as raízes do dia, a luta, o trabalho
reclamam suor
mas não te roubam o pão.
Arranca os olhos da terra, irmão!

A Mulher Inspiradora

Mulher, não és só obra de Deus;
os homens vão-te criando eternamente
com a formosura dos seus corações,
e os seus anseios
vestiram de glória a tua juventude.

Por ti o poeta vai tecendo
a sua imaginária tela de oiro:
o pintor dá às tuas formas,
dia após dia,
nova imortalidade.

Para te adornar, para te vestir,
para tornar-te mais preciosa,
o mar traz as suas pérolas,
a terra o seu oiro,
sua flor os jardins do Verão.

Mulher, és meio mulher,
meio sonho.

Tradução de Manuel Simões

Constância Feminina

Agora já me amaste por um dia inteiro.
Amanhã, quando partires, o que dirás?
Irás antedatar algum voto mais recente?
Ou dizer que, agora,
Já não somos exactamente os mesmos de antes?
Ou que as juras, feitas por medo reverencial
Ao Amor e à sua ira, se podem renegar?
Ou, como veras mortes desligam veros casamentos,
A imagem destes, os contratos dos amantes
Unem só até que o sono, imagem da morte, os separe?
Para justificar teus próprios fins,
Tendo proposto mudança e falsidade, não terás tu
Outro meio senão a falsidade para seres sincera?
Lunática vã, contra tais evasivas eu poderia
Argumentar e ganhar, se quisesse,
O que me abstenho de fazer
Porque, amanhã, poderei vir a pensar como tu.

Tradução de Helena Barbas

A Gentil Camponesa

MOTE

Tu és pura e imaculada,
Cheia de graça e beleza;
Tu és a flor minha amada,
És a gentil camponesa.

GLOSAS

És tu que não tens maldade,
És tu que tudo mereces,
És, sim, porque desconheces
As podridões da cidade.
Vives aí nessa herdade,
Onde tu foste criada,
Aí vives desviada
Deste viver de ilusão:
És como a rosa em botão,
Tu és pura e imaculada.

És tu que ao romper da aurora
Ouves o cantor alado…
Vestes-te, tratas do gado
Que há-de ir tirar água à nora;
Depois, pelos campos fora,
É grande a tua pureza,
Cantando com singeleza,
O que ainda mais te realça,
Exposta ao sol e descalça,
Cheia de graça e beleza.

Teus lábios nunca pintaste,
És linda sem tal veneno;
Toda tu cheiras a feno
Do campo onde trabalhaste;
És verdadeiro contraste
Com a tal flor delicada
Que só por muito pintada
Nos poderá parecer bela;
Mas tu brilhas mais do que ela,
Tu és a flor minha amada.

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Canção de Amor

Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
faria amor, assim, com as palavras.
Eu cantaria mesmo que tu não existisses
porque haveria de doer-me a tua ausência.

Por isso canto. Alegre ou triste, canto.
Como se, cantando, tocasse a tua boca,
ainda antes da tua presença.
Direi mesmo, depois da tua morte.

Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
ó minha amiga, doce companheira.
Eu festejo o teu corpo como um rio,
onde, exausto, chegarei ao mar.

Sim, eu cantaria mesmo que tu não existisses,
porque nada eu direi sem o teu nome.
Porque nada existe além da tua vida,
da tua pele macia, dos teus olhos magoados.

Assim quero cantar-te, meu amor,
para além da morte, para além de tudo.

Que Bem Sabe o Amor Constante

Até no carro te canto,
Fala a fala, seio a seio,
Espantado de um encanto
Que mais parece receio

De te perder à partida
Pra te ganhar à chegada,
Pois tu és a minha vida
Na ida e volta arriscada.

Vai o Godinho ao volante
Com seu ar de conde antigo
Que bem sabe o amor constante
Que me aparelha contigo.

Poupado na gasolina,
Discreto na confidência,
Navegador à bolina
Dos rumos da nossa ausência.

Leva-me à Embaixada, ao almoço:
Travou, mas não sei que tenho:
Um resto de ardor de moço
Contigo no meu canhenho.

Paisagem

Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.

E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)

Do Medo

1

Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.

Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.

2

Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema

desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.

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