Poemas sobre Pássaros

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Poemas de pássaros escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poema da Terra Adubada

Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.

As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.

Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.

Como é Belo Seu Rosto Matutino

Como é belo seu rosto matutino
Sua plácida sombra quando anda

Lembra florestas e lembra o mar
O mar o sol a pique sobre o mar

Não tive amigo assim na minha infância
Não é isso que busco quando o vejo
Alheio como a brisa
Não busco nada
Sei apenas que passa quando passa
Seu rosto matutino
Um som de queda de água
Uma promessa inumana
Uma ilha uma ilha
Que só vento habita
E os pássaros azuis

Poesia Depois da Chuva

A Maria Guiomar

Depois da chuva o Sol – a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
– luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco – cal fresquinha no casario da praça.

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!… Pura imagem da Tarde…
Flor levada nas águas, mansamente…

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase…)

Simplicidade

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça…

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

Do Medo

1

Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.

Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.

2

Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema

desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.

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O Suicida

Não restará na noite uma só estrela.
Não restará a noite.
Morrerei e comigo irá a soma
Do intolerável universo.
Apagarei medalhas e pirâmides,
Os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Farei da história pó, do pó o pó.
Estou a olhar o último poente.
Oiço o último pássaro.
Lego o nada a ninguém.

Se os Poetas Dessem as Mãos

Se os Poetas dessem as mãos
e fechassem o Mundo
no grande abraço da Poesia,
cairiam as grades das prisões
que nos tolhem os passos,
os arames farpados
que nos rasgam os sonhos,
os muros de silêncio,
as muralhas da cólera e do ódio,
as barreiras do medo,
e o Dia, como um pássaro liberto,
desdobraria enfim as asas
sobre a Noite dos homens.

Se os Poetas dessem as mãos
e fechassem o Mundo
no grande abraço da Poesia.

O Portugal Futuro

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Vocação de Poeta

Recentemente, ao repousar
Sob essa folhagem
Ouvi bater, tiquetaque,
Suavemente, como em compasso.
Aborrecido, fiz uma careta,
Depois, abandonando-me,
Acabei, como um poeta,
Por imitar o mesmo tiquetaque.

Ouvindo assim, upa,
Saltar as sílabas,
Desatei de repente a rir,
Durante um bom quarto de hora.
Tu poeta? Tu poeta?
Estarás assim mal da cabeça?
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

Quem espero eu sob este arbusto?
Quem estarei a espreitar como um ladrão?
Uma palavra? Uma imagem?
Logo a minha ruína aparece.
Nada do que rasteja, ou que saltite
Escapa ao impulso dos meus versos,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

A rima é como uma flecha,
Que temor, que tremor,
Ao penetrar no coração,
Lagarto a contorcer-se!
Morrereis assim, pobres diabos,
Ou ficareis embriagados,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

Versículos informes que se atropelam,
Pequenas palavras loucas, que efervescência
Até que, linha a linha,

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Glosa para José Gomes Ferreira

O mundo, dizias tu,
não é só dos pássaros
e do vento, o mundo
é também nosso. Foi
por isso, poeta,
que encheste
uma gaveta
de nuvens com a memória
das palavras e acendeste
no chão
dos dias
comuns
algumas estrelas
com tua mão.

Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Largo do Espírito Santo

Nem mais, nem menos: tudo tal e qual
o sonho desmedido que mantinhas.
Só não sonharas estas andorinhas
que temos no beiral.

E moramos num largo… E o nome lindo
que o nosso largo tem!
Com isto não contáramos também.
(Éramos dois sonhando e exigindo.)

Da nossa casa o Alentejo é verde.
É atirar os olhos: São searas,
são olivais, são hortas… E pensaras
que haviam nossos olhos de ter sede!

E o pão da nossa mesa!… E o pucarinho
que nos dá de beber!… E os mil desenhos
da nossa loiça: flores, peixes castanhos,
dois pássaros cantando sobre um ninho…

E o nosso quarto? Agora podes dar-me
teu corpo sem receio ou amargura.
Olha como a Senhora da moldura
sorri à nossa alma e à nossa carne.

Em tudo, ó Companheira,
a nossa casa é bem a nossa casa.
Até nas flores. Até no azinho em brasa
que geme na lareira.

Deus quis. E nós ao sonho erguemos muros,
rasguei janelas eu e tu bordaste
as cortinas.

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Paixão Secreta

Acordei com os primeiros pássaros,
já minha lâmpada morria.
Fui até à janela aberta e sentei-me,
com uma grinalda fresca
nos cabelos desatados…
Ele vinha pelo caminho
na névoa cor de rosa da manhã.
Trazia ao pescoço
uma cadeia de pérolas
e o sol batia-lhe na fronte.
Parou à minha porta
e disse-me ansioso:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, belo caminhante,
sou eu.

Anoitecia
e ainda não tinham acendido as luzes.
Eu atava o cabelo, desconsolada.
Ele chegava no seu carro
todo vermelho, aceso pelo sol poente.
Trazia o fato cheio de poeira.
Fervia a espuma
na boca anelante dos seus cavalos…
Desceu à minha porta
e disse-me com voz cansada:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, fatigado caminhante,
sou eu.

Noite de Abril.
A lâmpada arde neste meu quarto
que a brisa do Sul
enche suavemente.
O papagaio palrador
dorme na sua gaiola.
O meu vestido é azul
como o pescoço dum pavão,

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Todos os Dias

Todos os dias
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas…

Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo…

Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações…

Todos os dias
nascem risos, canções…

Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs…

Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs…

Retórica da Paisagem

O que se pede da poesia? Que nos entretenha os olhos
com as rendas sulfurosas de um doentio crepúsculo?
Com efeito, no poema, as palavras não nos servem
de cestos em que se recolham – dilatados, quase
a cair das árvores – os frutos. E contudo, continuamos
a confundir os caminhos do poema com os do mundo
quando eles, na natureza, apenas nos apontam
a incerteza do destino. As palavras repetem-se –
frutos atirados sobre a mesa – e a morte,
para quem não acredita no poder de transfiguração
das metáforas, esgota da vida todo o sentido.
Diz-se: os ramos não crescem no quadro,
os pássaros deixam de assolar a paisagem –
e o pensamento, ao reflectir-se, deixa a tela
pejada dos restos em que se perdeu pelo
horizonte. Mas todo o conhecimento
acaba no ponto em que o voo se
confunde com a linha acidentada da planície.

Poemas da Infância

Segundo

Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?…
… Como nasci poeta
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.

E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira
que levou o chapéu do Senhor Administrador!

Em toda a vila
se falou logo num caso de política;
o Senhor Administrador
mandou vir da cidade uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu…

Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!

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Quero a Fome de Calar-me

Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança

Cais

Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exactos por dentro.

10

A nuvem anuncia a secura das casas.
Um homem desloca-se devagar,
atravessa uma plantação de café em
silêncio, como as aves da noite. A sua fome
é igual à dos pássaros que reflectem no espelho
uma máscara de dor. Quando o homem desperta
dessa travessia apenas encontra um rolo de tabaco
velho e um machado quebrado em cima de uma
mesa. E não volta nunca mais a esse lugar.

Uva, Pedra, Cavalo, Sol e Pensamento

O rio continua a passar na minha ausência.
Eu não sei o que o pássaro pensa da chuva.

A terra tem o gosto agridoce de uma uva.
Tudo em que ponho o olhar tem mágica inocência.

Magra como uma vara de anzol pode ser a mulher.
Gorda como a cara do sol pode ser a laranja.

Ligeiro, o cavalinho. Trem-de-ferro qualquer,
apitando, tudo é bondade que a vida arranja.

Os anos que a pedra vive no seio das águas.
Os anos que o coração bate no peito do homem.

Os pés e as pernas unidos na mesma faina.
As mágoas que se consomem iguais aos ventos.

Uva, pedra, cavalo, sol e pensamento.