Madrigal Excentrico
Tu que nĂŁo temes a Morte,
Nem a sombra dos cyprestes,
Escuta, Lyrio do Norte,
Os meus canticos agrestes:……………………………………
……………………………………
……………………………………
……………………………………Tu ignoras os desgostos
D’um coração torturado,
Mais tristes do que os soes postos,
Ou de que um bobo espancado!Eu bem sei, Ăł Musa louca
Que nĂŁo conheces a magoa…
E tens um riso na boca
Como um cravo aberto n’agua…Eu bem sei… bem sei que ris
Dos meus madrigaes modernos.
Sem cuidar, Ăł flor de liz!
Que hĂŁo de chegar-te os invernos!Que nos corre a Mocidade,
Qual folha verde do val,
E ha de vir-te a tempestade,
Ó branco lyrio real!Que has de ser como a açucena
Varrida pelo nordeste…
E os prantos da minha pena
Que hĂŁo de regar teu cypreste!Que ha de a terra agreste e dura
Servir-te de ultimo leito…
E a pedra da sepultura
Quebrar teu corpo perfeito!E has de, emfim, ser devorada
Na fria noute,
Poemas sobre Pedras
177 resultadosA Despedida da Morte
Falo de mim porque bem sei que a vida
lava o meu rosto com o suor dos outros,
que também sou, pois sou tudo o que postoao meu redor se cala, e é pedra, ou, água,
cicia apenas — O teu tempo é a trava
que te impede de ter a calma clarado chĂŁo de lajes que o sol recobre,
este esperar por tudo que nĂŁo corre,
nem pára e nem se apressa, e é só estado,e nem sequer murmura: — O que te trazem
Ă© o riso e o lamento, o ser amado
e o roçar cada dia a tua morte,que não repõe em ti o, sem passado,
ficar no teu escuro, pois herdaste
e legas um sussurro, um som de passos,uma sombra, um olhar sobre a paisagem,
memória, cálcio, húmus, eis que o mundo
nada rejeita, sendo pobre e triste
no esplendor que nos dá. A madrugada.
Aquella Orgia
NĂłs eramos uns dez ou onze convidados,
– Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.Tocava o termo a ceia – e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.Todos riam sem causa. – A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
– E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.Crusavam-se no ar ditos como facadas;
Escandalos de amor, historias sensuaes…
– Rolavam nos divans caindo, ás gargalhadas,
Sujos como truões, torpes como animaes.Um agitando o ar com risos desmanchados,
Recitava canções, farças, Hamlet e Ophelia;
– Outro perdido o olhar, e os braços encruzados,
De bruços, n’um divan, roia uma camelia!Outros fingindo a dĂ´r, fallavam dos ausentes,
Das amantes, dos paes, com gritos d’afflicção,
– Um brandia um punhal, com ditos incoherentes;
Rumor dos Fogos
hoje Ă noite avistei sobre a folha de papel
o dragão em celulóide da infância
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insĂłnia dos meus trinta e cinco anos…dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi há muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mĂŁos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhaisnĂŁo quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longĂnquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silĂŞncio sĂlaba a sĂlaba o abandono
desta obra que fica por construir… o receio
de abrir os olhos e as rosas nĂŁo estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do marficou-me esta mĂŁo com sua sombra de terra
sobre o papel branco… como Ă© louca esta mĂŁo
tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas
Orfeu Rebelde
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fĂşria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.Outros, felizes, sejam os rouxinĂłis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
ViolĂŞncias famintas de ternura.Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legĂtima defesa.
Canto, sem perguntar Ă Musa
Se o canto Ă© de terror ou de beleza.
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mĂŁo macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jĂłias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinĂłis lembram o cĂ©u…Dizem as lendas que SatĂŁ vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmĂłreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vĂŞm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…
Carpe Diem
Que faço deste dia, que me adora?
Pegá-lo pela cauda, antes da hora
Vermelha de furtar-se ao meu festim?
Ou colocá-lo em música, em palavra,
Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra?
Força é guardá-lo em mim, que um dia assim
Tremenda noite deixa se ela ao leito
Da noite precedente o leva, feito
Escravo dessa fĂŞmea a quem fugira
Por mim, por minha voz e minha lira.(Mas já se sombras vejo que se cobre
Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.
Já nele a luz da lua – a morte – mora,
De traição foi feito: vai-se embora.)
A Portugal
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem Ă© ditosa, porque o nĂŁo merece.
Nem minha amada, porque Ă© sĂł madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glĂłrias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos sĂŁo
por serem meus amigos, e mais nada.Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu prĂł ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de herĂłis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcĂŁo de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
Ă luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
SĂł dos Mortos Devemos Ter CiĂşmes
SĂł dos mortos devemos ter ciĂşmes; acordar
de entre as pedras doentes dolorosos
que da beira das arribas nos atirem ao porto
onde enfim se encontre a nossa angĂşstia.
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço
em que já vertical erguemos nosso braço
em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles
nos retiram da cama de que por nĂłs foi feita
a escolha: a macieza intensa que julgámos
eterna, que nos parecia tĂŁo cordatamente
entregue Ă nossa prĂłpria suma sumaĂşma.
SĂł os mortos, horror, inda que vivos, vivem
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens
por sobre o mar dos olhos: Ă© bem feito,
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz
encaminhados pelo que vamos querendo.
SĂł os mortos nos mordem, nos apontam
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos
e, pois pior, sĂł eles nos expulsam
do vero som dos sinos numa entrega
às palavras baldadas do comércio.
A luta clara que sonhada fosse
pela mĂŁo dada e limpa que nos dessem
tropeça,
Inscrição
Ama silenciosamente o teu destino.
Nem pátria nem palavras memoráveis
farĂŁo durar a luz nos teus sentidos:
alguns objectos que te lembrem, poucos livros
e versos que sĂlaba a sĂlaba transfiguras
até entardecer cada palavra.Teces o teu tremor. E sobre a pedra
a marca que ficar será de ausência.
Canto
… e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mĂŁos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.Cinco vidas, nada menos,
cinco vidas querias ter.
Cinco vidas…
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma sĂł nĂŁo te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado…
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
É primavera! saĂu-me da boca.
E tu sorriste.
Sorriste, creio.
Primavera e todas as estações…
Chuva e sol, tempo sem idade.Aqueles suaves, langues verdes, tĂŁo cariciosos;
os redondos troncos
e os musgos fofos;
os melros agrestes
e as campainhas roxas daquelas flores da minha infância,
de que me ensinaste o nome tão doce, tão estranho…
E as loucas nuvens corredias
e as pedras hieráticas
e as veredas amáveis,
como se os ofereciam!
Amavam-nos,
NĂŁo o viste?
No passo certo em que ambos Ăamos
tudo,
Que amor nĂŁo me engana
Que amor nĂŁo me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amarguraDuma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor nĂŁo se entrega
Na noite vaziaE as vozes embarcam
Num silĂŞncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu gritoMuito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beiraEm novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela PrimaveraAssim tu souberas
IrmĂŁ cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia
Assim Esqueço
Assim esqueço
e me renego.
Assim me abro
me aperto
e renasço ou desespero.Assim me ergo
no cume deste lume
que nĂŁo enxergo.Assim me entrego
me prendo
reaprendo o que sonego.Assim me transpasso
e integro o aço que me caça
com a brasa de sua acha.Assim a hora e sua mora
assim do tempo os juros
que pago e não reclamo.Assim — que não se apaga
— este fogo, cresce e lastra
o laivo tĂşrgidode um astro que me castra
e no chĂŁo fĂşlgido de minha queda
(urtiga que medra e me exaspera)de era em era
de pedra em pedra
caĂdo em meu mistĂ©rioassim de raiva
e sonho recomeço.
Adeus
A ti, que em astros desenhei nos céos,
A ti, que em nuvens desenhei nos ares,
A ti, que em ondas desenhei nos mares,
A ti, bom anjo! o derradeiro adeus!Parto! Se um dia (que Ă© possivel flĂ´r!)
Vires ao longe negrejar um vulto,
Sou eu que aos olhos d’esta gente occulto
O nosso immenso desgraçado amor.Talvez as féras ao ouvir meus ais,
As brutas selvas, as montanhas brutas,
Concavas rochas, solitarias grutas,
Mais se condoam, se commovam mais!E lá d’aquellas solidões se aqui
Chegar gemido que uma pedra estala,
Que um cedro vibra, que um carvalho abala,
Sou eu que o solto por amor de ti…De ti! que em folha que varrer o ar,
Em rama, em sombra que bandeie a aragem,
De fito sempre n’essa cara imagem
Verei, sorrindo, sentirei passar!De ti, que em astros desenhei nos céos!
De ti, que em nuvens desenhei nos ares!
De ti, que em ondas desenhei nos mares,
E a quem envio o derradeiro adeus!
O Mundo, o DemĂłnio e a Carne
Relâmpago adormecido
entre a malva e o estalo
tua penĂşria, Ăł Mundo
Ă© a minha penĂşria.
Somos a mesma falta
de olhos a perseguir
a visĂŁo que negou
o barro de meu rosto.DemĂłnio entre o retinir
das esporas e o redondo
dia,
que fizeste da luz
a arder em minha alma?
Sou teu cĂşmplice na mĂŁo
que apertou o pensamento
em sua nudez.Carne de minha carne
entre uma pedra e outra
abre-se o trigo
da maldição.
Nossos corpos sĂŁo nossos
mas o abraço rói
o hálito que foi um
antes de existirmos.
Com uma Estrela na Voz
Que voz Ă© esta? De onde vem?
Que fantasmas antigos desperta
quando tudo o mais parece
ferido pela imobilidade de um sono de pedra?Corres agora atrás das vozes
acantonadas nas arcas de Dezembro
e o que buscas Ă© uma centelha de riso,
o fugaz cristal de uma lágrima,
o aconchego de uma carĂcia
capaz de vergar a noite ao peso
imaterial de um instante de ternura.É só isso que buscas, nada mais.
E tudo o que buscas
é uma lança que trespassa a morte
tantas vezes anunciada
no mudo sofrimento dos animais.E se, buscando, Ă© a luz que encontras,
ergue-a entĂŁo como um estandarte
na hora de todos os fingimentos
e continua buscando até descobrires
que a voz que persegues e quase te enlouquece
Ă© a tua prĂłpria voz soletrando nos portais
os nomes piedosos e lĂmpidos
de quem chega um dia no rasto de uma estrela.
A Tua Boca Adormeceu
A tua boca adormeceu
parece um cais muito antigo
Ă volta da minha boca.Mas as palavras querem voltar Ă terra
ao fogo do silêncio que sustém as pontes
perdidas na sua própria sombra.E há um cão de pedra como um fruto
que nos cobre com o seu uivo
enquanto pássaros de ouro com mãos de marfim
transplantam as árvores transparentes
para o ponto mais fundo do mar.As lágrimas que não chorei
arrependidas
fazem transbordar a eterna agonia do mar
como um lençol fúnebre
com que tivesse alguém coberto o rosto metafórico
dos cinco continentes que em nĂłs existem.Assim Ă© ao mesmo tempo
que sou eu e nĂŁo o sou
aquele relĂłgio das horas de ouro
que além flutua.
RuĂnas
Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciĂŁ; o chĂŁo de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
RuĂna Ă© tudo: a casa, a escada, o horto,
SĂtios caros da infância.
Austera moça
Junto ao velho portĂŁo o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as roxas vestes.
Risos nĂŁo tem, e em seu magoado gesto
Transluz nĂŁo sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
ĂŤntima e funda; — e dos cerrados cĂlios
Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;
Melancolia tácita e serena,
Que os ecos nĂŁo acorda em seus queixumes,
Respira aquele rosto. A mĂŁo lhe estende
O abatido poeta. Ei-los percorrem
Com tardo passo os relembrados sĂtios,
Ermos depois que a mĂŁo da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
Nos serros do poente,
As rosas do crepĂşsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita
TĂmido e frouxo as tuas longas tranças.
Um Poema
Um poema
é a reza dum rosário
imaginário.
Um esquema
dorido.
Um teorema
que se contradiz.
Uma sĂşplica.
Uma esmola.Dores,
vividas umas, sonhadas outras…
(Inútil destrinçar.)Um poema
Ă© a pedra duma escola
com palavras a giz
para a gente apagar ou guardar…
Foi Contigo que Aprendi a Amar
Foi contigo que aprendi a cidade,
sĂlaba a sĂlaba,
pedra, aço e lascas de cristal.A cidade dos pássaros interditos
na ocasionalidade
de um galho por acaso.A cidade das buganvĂlias
violáceas de medo,
excrescentes de lirismo.A cidade dos pĂŁes calcetados
e dos meninos que, de
fome, os apetecem.A cidade das culatras
inevitáveis
para o alvo que lhes sobra.A cidade protestada a prazo
de um dia
de nunca mais.A cidade geometrizada
na infalibilidade
dos seus labirintos.Foi contigo, foi.
Foi contigo que aprendi a amar
desordenadamente.