o tempo subitamente solto
o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.
Poemas sobre Pele de JosĂ© LuĂs Peixoto
4 resultadosquando a ternura for a Ăşnica regra da manhĂŁ
um dia, quando a ternura for a Ăşnica regra da manhĂŁ,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossĂvel compreensĂŁo do amor.
um dia, quando a chuva secar na memĂłria, quando o inverno for
tĂŁo distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o princĂpio de uma palavra, para nĂŁo estragar
a perfeição da felicidade.
A Mulher Mais Bonita do Mundo
estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silĂŞncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.
fingir que está tudo bem
fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram Ă© noite: as pessoas
nĂŁo imaginam: sĂŁo tĂŁo ridĂculas as pessoas, tĂŁo
desprezĂveis: as pessoas falam e nĂŁo imaginam: nĂłs
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silĂŞncio e chuva que nĂŁo se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incĂŞndio que nos afoga.