Hora de Ponta
Apanhar um lugar a esta hora Ă© uma sorte, poder olhar
pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática,
que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor
a hortelĂŁ e um ar fresco interrompido pela velha senhora
a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece
de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro
a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente
do homem gordo na minha orelha, com a mĂŁo livre
apertada contra o peito, contra o visco da hora apinhada
na minha pele pĂşblica, na minha pele de todos.
No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso
doce e cansado, os olhos brilhantes, a candura intacta
toma-me toda como se eu fosse um anjo
descendo Ă terra com um corpo real para que a minha pele
receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de trabalho,
o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu rosto
cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para
os outros. No teu rosto ĂŁ hora de ponta aprendo a compaixĂŁo
atĂ© sair na prĂłxima paragem com um suspiro de alĂvio.
Poemas sobre Pele de Rosa Alice Branco
2 resultados Poemas de pele de Rosa Alice Branco. Leia este e outros poemas de Rosa Alice Branco em Poetris.
Serenata Ă Chuva
Chuva, manhĂŁ cinza, guarda-chuva.
Entrar no contexto, dois pontos. Ele e ela
abraçados caminham sob o tecto
do guarda-chuva que os guarda.
Pelas ruas vĂŁo com a vontade de voltar
ao branco dos lençóis. Esse objecto prosaico
que Ă s vezes se vira com o vento
torna-se objecto de poema. Dizer também
como a chuva Ă© doce neste dia de verĂŁo.
Como o amor altera o sentido da chuva,
sim, como ela se eleva no ar e as frases se colam
ao vestido. No interior da pele o poema mudou
desde que entraste no guarda-chuva esquecido
a um canto do armário. Talvez o amor seja tudo amar
sem excepção. Eu que nunca uso guarda-chuva
assino incondicionalmente este poema.