Distância
Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pĂ© de mim…
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que não tinham fim.Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d’antes,
E se nas tuas mĂŁos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.Não vás para tão longe!
Tenho medo
Do silĂŞncio pesado d’esta sala…
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nĂłs dois…
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.Não vás para tão longe!
Fica. Inda Ă© tĂŁo cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!…
Paira nas velhas ruĂnas do conventoQue alĂ©m se avista,
Poemas sobre Perfume de Fernanda de Castro
3 resultadosNĂŁo Fora o Mar!
NĂŁo fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.NĂŁo fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angĂşstia, pequeno prazer.NĂŁo fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violĂŞncia
como irisadas bolas de sabĂŁo,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga mĂşsica ao sol pĂ´r
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.NĂŁo fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusĂŁo, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.NĂŁo fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que Ă© alto, inacessĂvel, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.
Esta Dor que me Faz Bem
As coisas falam comigo
uma linguagem secreta
que é minha, de mais ninguém.
Quem sente este cheiro antigo,
o cheiro da mala preta,
que era tua, minha mãe?Este cheiro de além-vida
e de indizĂvel tristeza,
do tempo morto, esquecido…
TĂŁo desbotada e puĂda
aquela fita escocesa
que enfeitava o teu vestido.Fala comigo e conversa,
na linguagem que eu entendo,
a tua velha gaveta,
a vida nela dispersa
chega Ă cama onde me estendo
num perfume de violeta.Vejo as tuas jĂłias falsas
que usavas todos os dias,
do princĂpio ao fim do ano,
e ainda oiço as tuas valsas,
minha mĂŁe, e as melodias
que cantavas ao piano.Vejo brancos, decotados,
os teus sapatos de baile,
um broche em forma de lira,
saia aos folhos engomados
e sobre o vestido um xaile,
um xaile de Caxemira.Quantas voltas deu na vida
este álbum de retratos,
de veludo cor de tĂlia?
Gente outrora conhecida,
quem lhe deu tantos maus tratos?