Poemas sobre Poema

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Poemas de poema escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Pedra no charco

Caiu uma pedra no charco,
caiu um penedo no rio,
caiu mais um cabo da boa esperança no mar,
p’rá gente se agarrar.

Deixámos de ver as nuvens
que nos tapavam o céu,
pudemos sentir de perto a meiguice do tempo
onde a gente se escondeu.

É que hoje
nasceu mais um dia.
É que hoje
nasceu mais alguém.
É que hoje
nasceu um poeta na serra com a estrela da manhã.

Foi quando os lobos uivaram,
foi quando o lince miou,
as ovelhas não tinham fome
e a alcateia repousou.

E entre os uivos e os miados
o poeta abriu o choro.
E entre os vales e os cabeços,
cavalgando uma alcateia
o poema deslizou.

Poema do Futuro

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.

Um Poema de Amor

Não sei onde estás, se falas
ou se apenas olhas o horizonte,
que pode ser apenas o de uma
parede de quarto. Mas sei que
uma sombra se demora contigo,
quando me pergunto onde estás:
uma inquietação que atravessa
o espaço entre mim e ti, e
te rouba as certezas de hoje,
como a mim me dá este poema.

Quase um Poema de Amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Igual-Desigual

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as acções, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
[coisa.

Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho
ímpar.

Carlos Drummond de Andrade, in ‘A Paixão Medida’

A Mais Perfeita Imagem

Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão
que lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurônio meu, unia memória que teima ainda
uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.

Carta à Minha Filha

Lembras-te de dizer que a vida era uma fila?
Eras pequena e o cabelo mais claro,
mas os olhos iguais. Na metáfora dada
pela infância, perguntavas do espanto
da morte e do nascer, e de quem se seguia
e porque se seguia, ou da total ausência
de razão nessa cadeia em sonho de novelo.

Hoje, nesta noite tão quente rompendo-se
de junho, o teu cabelo claro mais escuro,
queria contar-te que a vida é também isso:
uma fila no espaço, uma fila no tempo
e que o teu tempo ao meu se seguirá.

Num estilo que gostava, esse de um homem
que um dia lembrou Goya numa carta a seus
filhos, queria dizer-te que a vida é também
isto: uma espingarda às vezes carregada
(como dizia uma mulher sozinha, mas grande
de jardim). Mostrar-te leite-creme, deixar-te
testamentos, falar-te de tigelas – é sempre
olhar-te amor. Mas é também desordenar-te à
vida, entrincheirar-te, e a mim, em fila descontínua
de mentiras, em carinho de verso.

E o que queria dizer-te é dos nexos da vida,
de quem a habita para além do ar.

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Nasce Mais uma Vez

Nasce mais uma vez,
Menino Deus!
Não faltes, que me faltas
Neste inverno gelado.
Nasce nu e sagrado
No meu poema,
Se não tens um presépio
Mais agasalhado.
Nasce e fica comigo
Secretamente,
Até que eu, infiel, te denuncie
Aos Herodes do mundo.
Até que eu, incapaz
De me calar,
Devasse os versos e destrua a paz
Que agora sinto, só de te sonhar.

Do Amor e da Morte

Temos lábios tenros para o amor
dentes afiados para a morte

Concebemos filhos para o amor
para a guerra os mandamos para a morte

Levantamos casas para o amor
cidades bombardeamos para a morte

Plantamos a seara para o amor
racionamos o trigo para a morte

Florimos atalhos para o amor
rasgamos fronteiras para a morte

Escrevemos poemas para o amor
lavramos escrituras para a morte

O amor e a morte
somos

Módulo

Alguém te considera e te recolhe
das hélades perdidas.

Um navio sem hélice levanta
seu voo de silêncio, desdobrando
as velas que te alindam na distância
da noite mais antiga.

Os deuses se juntaram para ouvir
a leitura solene de teu nome
disperso no poema.
Tudo o mais
é sinal de ruptura, senão rapto.

Garota de Ipanema

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
é ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passar

Ai! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo é tão triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinha

Ai! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor

Só por causa do amor…

Não Voltarás

não voltarás
olhando as ruas
na vidraça nua os zimbros
da terra ocre

moras secreta nestes barros
tua flauta canta nas montanhas
pedras e trepadeiras se enroscam
perto do teu rosto
e são de
água

sabes plantar o odor
dos frutos
tangerina limão
pássaras orvalho
a nervura das manhãs
e o lume dos poemas
quente metalurgia
das palavras

como ontem (tu eras morta)
prolonga-te nestas mãos
no maio das rotas
de abril
tecidas

Debaixo das Oliveiras

Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.

O mês em que a brisa me pôs nas mãos
uma harpa de folhas
e a terra me emprestou
sua flauta e sua lua.
Maré viva. Meu sangue atravessado
por um cometa visível a olho nu
tangido por satélites e aves de arribação
navegado por peixes desconhecidos.

Este foi o mês em que cantei
como quem morre e ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba.

O mês em que subi a uma colina
dentro de minha casa
olhei a terra e o mar
depois cantei
como quem faz com duas pedras
o primeiro lume. Palavras
e pedras. Palavras e lume
de uma vida.

Este foi o mês em que fui a um lugar santo
dentro de minha casa.
O mês em que saí dos campos
e me banhei no rio como quem se baptiza
e cantei debaixo das oliveiras
as mãos cheias de terra. Palavras
e terra
de uma vida.

Este foi o mês em que cantei
como quem espelha ao vento suas cinzas
e cresce de seu próprio adubo
carregado de folhas.

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Arte Poética

Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer

Balada do Poema que não Há

Quero escrever um poema
Um poema não sei de quê
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Às de copas às de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadas

Quero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nada

Um poema não sei de quê
Que traga a notícia louca
Da história que ninguém crê
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dói não sei porquê

Quero um poema ao contrário
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitário
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheço

Que venha de capa e espada
Ou de chicote na mão
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais não

Quero um poema que diga
Que nada há que dizer
Senão que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que não é de adormecer

Poema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou não ser eis a sorte
O resto é silêncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de Elsenor

Quero o poema que me dê
Aquela música antiga
Da Provença e da Toscânia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de Aquitânia
Dormindo sobre um cavalo

E com ele então dizer
O meu poema está feito
Não sei de quê nem sobre quê

Dormindo sobre um cavalo

Quero o poema perfeito
Que ninguém há-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidão
Ou aquela toutinegra
De Camões quando escrevia
Sôbolos rios que vão

Que venha como um destino
Às de copas às de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser será
E não há cartas marcadas
Só assim poderá ser
O poema que não há

Variações sobre

O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO
de Alexandre O’Neill

Os ratos invadiram a cidade
povoaram as casas os ratos roeram
o coração das gentes.
Cada homem traz um rato na alma.
Na rua os ratos roeram a vida.
É proibido não ser rato.

Canto na toca. E sou um homem.
Os ratos não tiveram tempo de roer-me
os ratos não podem roer um homem
que grita não aos ratos.
Encho a toca de sol.
(Cá fora os ratos roeram o sol).
Encho a toca de luar.
(Cá fora os ratos roeram a lua).
Encho a toca de amor.
(Cá fora os ratos roeram o amor).

Na toca que já foi dos ratos cantam
os homens que não chiam. E cantando
a toca enche-se de sol.
(O pouco sol que os ratos não roeram).

Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh’alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

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Vírgula

Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida.
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos.

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A Tua Boca

A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um túnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.

Os fios dormentes de água
que a tua língua solta num grito cor-de-rosa
e a minha língua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
à minha boca.

As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As línguas como rosas.

Oh, a tua boca para a minha boca.

Minha Mãe, Minha Mãe!

Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!…
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.

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